INEZITA BARROSO

Uma vez, me perguntaram qual foi o show mais estranho que já fui. Te juro que parei para pensar nessa. Acho que nunca fui a algum tão esquisito assim (não estou contando os zilhões de covers que tive de aguentar nos bares). Sério mesmo! O único de que me lembrei foi o da Inezita Barroso em Piracicaba (SP).

Não diria que se encaixe na classificação "show estranho". Na verdade, acho que foi o mais diferente do que estranho, já que não é exatamente o tipo de show a que costume ir, a trabalho ou por diversão. Porém, nada teve de ruim, e partiu de mim querer conferir de perto essa dama de nosso genuíno sertanejo, o de levadas realmente caipiras.

Inezita Barroso é um patrimônio vivo e uma bênção àqueles que detestam essa porcaria enlatada que se convencionou chamar de sertanejo (fruto dos dedos pobres da mídia interesseira). Quando soube que ela faria uma apresentação na cidade em que eu morava na época (por volta de 2002 ou 2003, acho), decidi que estaria lá!

Se não me falha a memória, seria uma gravação especial do programa que Inezita comanda há tanto tempo (Viola Minha Viola). Lá fui eu, e tive uma noite agradável, bastante aprazível. Acostumado ao rock and roll, ao heavy metal e ao blues, lá estava eu em meio a uma plateia forrada de cabeleiras grisalhas e bem-comportadas.

Inezita não se apresentou a noite inteira. Recebeu convidados, dividiu a cantoria com alguns deles e saiu de cena para que pudéssemos conhecer (no meu caso, pelo menos) os trabalhos dos demais artistas. Enfim, o mesmo esquema que vemos na TV, só que ao ar livre, nas ruínas do Engenho Central (ponto turístico da cidade), às margens do Rio Piracicaba (sim, aquele da famosa canção "o rio de Piracicaba vai jogar água pra fora...", clássico da música caipira).

É o tipo de experiência que você deveria incluir na história da sua vida. No início, me senti um tanto deslocado. Parecia estar vestido de esquimó em uma praia lotada num ensolarado dia de versão. Sacou? Não conhecia as músicas e a minha cara era o retrato perfeito de que estava "perdido" ali. Mas e quem é que ligava para isso, além de mim? Assim, logo fui desencanando e aproveitando a curiosa noite.

O ponto alto foi ver Inezita Barroso soltar o vozeirão no 'Hino de Piracicaba', uma das poucas canções que eu conhecia. Aliás, conheço e gosto muito. É uma composição de muito bom-gosto. Tem uma melodia bem intensa e genuína, a qual nos joga uma dose de emoção especial que, se o intérprete não captar essa essência, o resultado deixa a desejar. Mas a estrela da noite é craque no assunto e conduziu o vocal de maneira impecável.

Na parte final há o que eu chamaria de ápice do clima da música, quando é entoada a frase "um filho ausente a suspirar por ti". A partir de "suspirar", os instrumentos param e fica só a voz, que embarca na última rajada de emoção para selar o desfecho. Inezita, no alto de seus 70 e tantos anos (na época), não economizou fôlego e protagonizou um dos momentos mais especiais que vi em uma apresentação. Não estranhe o que vou dizer, mas o gestual e a voz firme dela, nessa parte, foram majestosos e me fizeram até lembrar de vocalistas do rock e do heavy metal, como Bruce Dickinson (Iron Maiden). Caras que, quando cantam ao vivo, mostram que realmente têm voz e não são apenas ratos de estúdio. E a dama da música caipira não deixou barato, não. Fez bonito e me brindou com uma interpretação impecável – que é o que torna qualquer show bom (interpretação e presença de palco).

Até hoje tenho a imagem daquele momento "rocker" da Inezita Barroso guardado na memória. E não me leve a mal por essa associação esquisita (Inezita x vocalista de rock/heavy metal). Foi um elogio à garra dela. Mesmo porque, o clima rock and roll que senti na hora foi instantaneamente defenestrado logo que ela anunciou a próxima canção: 'Franguinho na Panela'. Aí, não teve jeito...

Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Henrique,
    Enquanto para você Inezita representa o show (talvez) mais estranho, posso dizer que é o primeiro show da minha vida (aos dois anos de idade, no coreto de Capivari-SP). Claro que, da ocasião, me lembro muito pouco - ou quase nada. Embora, talvez, a experiência tenha servido para que a cantora conquistasse minha simpatia, e posteriormente meu respeito e admiração. Presença indispensável em meu iPod, Inezita é realmente uma dama da música: não somente por nos colocar em contato com o genuíno sertanejo que você menciona, mas por seu papel na cultura caipira - que é, acima de tudo, brasileira.
    Parabéns! Abraço.

    Luiz Zonzini

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