FOTOGENIA

A internet tem muita porcaria, mas tem lá suas qualidades. Deu voz a quem não se ouvia, espaço a quem não se via e cérebro a quem nem se imaginava ter. Fico reparando na quantidade de fotos que postam. Mostram as mais variadas situações e pessoas. Podemos descobrir quase o dia-a-dia dos mais empolgados com esse tipo de ferramenta. É engraçado conhecer cada detalhe da casa de alguém sem nunca ter estado lá!

Não sou de transformar os meus canais na rede em um varal de cordel sobre a minha vida. Primeiro porque não interessa e segundo porque me falta aquela fotogenia que nos anima mostrar. Se bem que há tanta gente plasticamente fotogênica, mas sem o menor traço de beleza no comportamento, que até faz relativizar meu segundo motivo.

Há uns anos, uma conhecida, que tinha certeza ser realmente amiga, me pregou uma peça. Daquelas que te deixam desnorteado e sem reação por alguns dias. Ela me deu uma surpresa nada doce e se revelou uma pessoa de duas caras. Sabe o que é isso? É aquela cujo sorriso lindo no rosto encobre o veneno no olhar. De uma situação legal, de companheirismo, caímos em um vale de frieza, distância e indiferença. Foi uma queda vertiginosa. O pior: a minha caveira começou a ser desenhada e cozida por ela para os nossos amigos em comum.

O motivo? Bem, se eu descobrir, pode deixar que conto. Talvez essa misteriosa mudança de atitude tenha me deixado meio sem chão quando me dei conta de quem realmente ela era. Senti a reação fortemente ardida de enxergar o brilho que me mirava de dentro de seus olhos. Tentei saber a razão, conversar, mas ouvi o clássico e mentiroso "não aconteceu nada. É impressão sua. Tá tudo bem". Mas o fato é que a coisa degringolou. Viramos dois estranhos no mesmo vagão do metrô. Diante disso, e de alguns chapas que se distanciaram por conta das mentiras que ouviram (e, pior, acreditaram), entrei em parafuso por um tempo.

O tombo emocional que levei me mostrou um detalhe que simplesmente não aparece na fotogenia de ninguém. E não tem jeito: descobrir se a pessoa da foto é a mesma com quem conversamos é uma questão de convivência. De encarar sem muita teoria. Na verdade, nós sabemos disso, só não queremos experimentar. Quando isso acontece, sentimos o impacto e reagimos de maneiras diversas. As ideias e palavras, afinal, têm um poder mais ácido e duradouro do que imaginamos.

Então, quando nos reerguemos da situação, percebemos que o desprezo é o melhor tapa que se pode dar de volta. Sapo não se engole, apenas se deixa em um canto qualquer para ser devolvido na hora certa – e essa hora sempre chega (cabe a cada um saber a sua). E não há retratista que consiga registrar um movimento assim, porque estamos falando de sensações.

Às vezes acho bom não ter aquela estampa de anúncio publicitário de revista. Me permite um efeito meio parecido com o das carrancas: espanta o mau-olhado e pessoas fúteis, superficiais. Por isso, não vejo lá muita razão para postar pilhas e pilhas de fotos minhas na internet. Prefiro sentar à mesa de um bar com gente viva e conversar até o simpático dono do lugar se transformar em um ser rabugento querendo nos expulsar de lá para baixar as portas. O mundo é mais real assim. Livre de esbarrar em pessoas de duas caras não estarei, nem você. Por outro lado, não há aquele monte de pose e de quinze-minutos-de-fama que a fotogenia permite. Isso faz valer todo o resto.

Henrique Inglez de Souza

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