THIS TIME AROUND

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O tempo tem andado depressa mesmo. Hoje faz um mês que perdemos uma das maiores personalidades do rock mundial. Na segunda-feira do dia 16 de julho, veio a notícia de que Jon Lord não resistiu à batalha que travava contra um câncer desde 2011.  O tecladista britânico estava com 71 anos e sucumbiu a uma embolia pulmonar.

Apesar da tristeza, nada de velas ou missa! Aqui, prefiro celebrar as boas memórias, até porque as últimas semanas não foram fáceis. Outros músicos importantes tiveram a vida abreviada, incluindo brasileiros. Além de Altamiro Carrilho, o grande Celso Blues Boy nos deixou na manhã do 6 de agosto, aos 56 anos. Esse cara foi simplesmente um de nossos melhores guitarristas. Tocava usando apenas palheta e a alma.

Era uma figura. Certa vez, num papo que tivemos para combinar uma entrevista (que nunca aconteceu, infelizmente), ele me disse: "Eu só atendo até as 17h. Depois, nem a mim atendo". Mais adiante reforçou com um humor totalmente blues-rocker: "Você pode me ligar a hora que quiser até as 17h. Depois das cinco da tarde, eu 'abro o bar' e não falo mais nada... Ou, pelo menos, só falo besteira".

Muito ruim o sabor de perder alguém do talento do Celso Blues Boy, que também partiu por causa dessa praga maldita chamada câncer. Mas o fazer ante as vontades do destino de cada um? Nada, além de homenagear à nossa maneira. Lembro que quando o Jon Lord morreu, passei o dia meio desnorteado, num misto de tristeza e alegria pelo que vivi.

Em 1997, quando o Deep Purple veio ao Brasil, fez dois shows em São Paulo. Na época, eu fazia cursinho e resolvi tentar encontrar algum dos cinco integrantes no hotel em que estavam. Acabei conseguindo cumprimentar todos e ainda descolar ingresso para a segunda noite. Acabei vendo as duas apresentações!

Entretanto, o melhor ainda estava por vir. Pouco mais de uma década adiante, já como jornalista, tive a honra de entrevistar o tecladista. Em 2010, trabalhava em uma matéria de capa sobre o emblemático Come Taste the Band (1975) para a revista Rock Brigade. Queria coletar depoimentos dos remanescentes daquela fase do grupo – David Coverdale (vocal), Glenn Hughes (baixo, vocal), Ian Paice (bateria) e Jon Lord (teclado). O guitarrista Tommy Bolin, que morreu em 1976, também seria um dos temas da minha pauta.

Não sabia, mas aquela empreitada iria me levar a um desfecho sensacional. Dos quatro, consegui contato com Hughes e Lord, que fez jus ao sobrenome e agiu como o perfeito estereótipo do lorde inglês. Foi gentil e educado: "Aqui é Jon Lord quem está falando, Henrique", anunciou-se do outro lado da linha. Ele respondeu as perguntas com paciência e deu informações interessantes.

Se aquilo, por si só, já estava ótimo, imagine a surpresa que tive na sequência! O assessor que me colocou em contato com Lord me escreveu contando que sairia uma edição comemorativa pelos 35 anos de Come Taste the Band. Perguntou se não tinha algum depoimento que pudesse lhe enviar para o texto biográfico do livreto que acompanharia no álbum. Sem pensar nem meia vez, enviei o trecho em que o tecladista falou sobre 'This Time Around', a única música que compôs para aquele repertório:
"Amo essa música! Me lembro de estar tocando esse tema ao piano um dia em que estava sozinho no estúdio. Bem, eu achava que estava sozinho quando o Glenn [Hughes] aparece e pergunta: 'O que é isso?'. Respondi: 'Ainda não sei. É o começo de uma ideia'. E ele falou: 'Vamos trabalhar nisso!' Acho que em meia hora fizemos 'This Time Around'. É uma música muito boa. Uma de minhas favoritas!"

Meses depois, quando recebi a reedição especial, corri a vista para procurar a minha colaboração e lá estava! Mais que isso, meu nome aparece listado entre os agradecimentos – sou o último a ser citado. Nem acreditava! É uma honra inestimável estar em um disco do Deep Purple, ainda mais um dos que mais gosto.

De alguma maneira, devo essa alegria a Jon Lord e à conversa produtiva que tivemos. Vou guardar para sempre a lembrança dessa experiência, tal qual quem protege seus pertences mais valiosos. Hoje, um mês de sua morte, presto a minha homenagem revisitando essa história. E, ao fundo, claro, rolando só músicas do quinteto britânico que ajudou a tornar o rock uma paixão.


Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Parabéns, Henrique. Texto excelente como sempre. Deep Purple é minha banda favorita e "Come Taste The Band" o meu disco de cabeceira. Está entre os cinco melhores do DP, ao lado de In Rock, Machine Head, Who Do We Think We Are e Burn. A MK IV tinha tudo para ser uma das maiores formações da história, mas o destino cruel não quis. A voz aveludada de Hughes em "This Time Around" é de arrepiar. Bolin está impossível em todo o álbum e Paice mudou até o estilo de tocar para se adaptar à proposta do disco. David também alopra. "Drifter" é pré-Whistesnake. Mas a minha predileita é "Gettin' Tighter". A guitarra sem peso de Bolin no início é sensacional, assim como a faixa toda. Em suma, obra-prima, meu caro.

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    1. Valeu, Paulo! Esse é um disco muito especial mesmo - e único, já que essa formação não teve tempo de gravar outros de estúdio. A crise pegou mais pesado. OK, não tem o Blackmore, mas acho que são bandas distintas e que, ainda assim, mantêm a alta qualidade. Diferentemente do DP de hoje. Embora a gente encontre boas canções, a era Steve Morse é muito fraquinha, sem tempero. Se juntarmos todos os discos com o Morse, não chega nem perto de uma 'You Keep On Movin'', por exemplo. 'Come Taste...' é foda!

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  2. Concordo, Henrique. O problema de Morse é a falta de talento para a composição. Não cria nada de novo ou algo com qualidade. Pelo contrário. Apenas repete o que Blackmore produziu no seu auge.

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