QUAL FOI O PRIMEIRO SHOW DECENTE QUE VIU?

 
 
O que as datas 27 de junho de 1992 e 16 de maio de 2009 têm em comum? Talvez para muita gente nada. Para mim, representam uma espécie de ciclo metaleiro. Foram um início e um reencontro com ar de despedida. Uns dias atrás, lembrei da primeira vez em que fui a um show. Foi em grande estilo, pois fiquei diante da principal marca do heavy metal, o Black Sabbath.
 
Em 1992, a banda finalmente visitava o Brasil. Havia todo um clima de empolgação especial por isso. Depois de agonizar a maior parte da década de 1980 com formações questionáveis, o quarteto reatava com Ronnie James Dio e Vinny Appice, seu segundo melhor time. Eles promoviam Dehumanizer (1992), um trabalho robusto e poderoso, mas inferior aos que já haviam feito juntos.
 
Provavelmente você esteja agora chacoalhando negativamente a cabeça e chiando por eu não ter citado a época de Heaven and Hell (1979-1980), ainda com o baterista original, Bill Ward. O fato é que ele apenas gravou o álbum e pouco representou naquele período. A manguaça braba comprometeu criticamente seu desempenho e o ejetou da barca. Portanto, o nome das baquetas na era Dio (1979-1982) é o Appice e ponto final!
 
O Black Sabbath fez três shows em São Paulo: dois no extinto Olympia e um, o último, na pista de atletismo do Ibirapuera (no que fui). Eu era um pirralho de 13 anos e arrisquei encarar a questão da faixa etária, cujo limite teoricamente me impedia por alguns anos a mais do que tinha. Não dava para perder aquela chance. Acabei entrando na boa, apesar do puta medo de ser barrado.
 
A performance aconteceu no dia 27 de junho. Se naquela época já era completamente viciado em música (especialmente rock e metal), assistir a algo como aquilo teve um impacto profundo e inexplicável. Lembro que antes da noitada começar, os alto-falantes tocavam ‘The Unforgiven’, a então novidade do Metallica. Havia uma atmosfera muito legal. E nem é preciso dizer que, quando os quatro principais caras apareceram no palco, o local foi abaixo.
 
Saí dali ainda mais imerso em heavy metal na sua mais pura essência. Passei a alimentar constantemente a minha estante com inúmeros discos e aproveitar os shows que desse ($$$), incluindo os festivais Monsters of Rock (fui a todos) e Hollywood Rock. Virei um rato e não deixei mais a trincheira. Percorri o caminho que me colocou no jornalismo, uns dez anos após ver o Sabbath.
 
Em 16 de maio de 2009, eis que me encontrava outra vez com Tony Iommi, Ronnie James Dio, Geezer Butler e Vinny Appice. Eles viajavam o mundo sob o nome de Heaven & Hell – que, no final das contas, era a mesma banda tocando quase as mesmas músicas (pois haviam lançado o disco The Devil You Know naquele ano). A sensação foi diferente em relação à de 1992, evidentemente, mas tão revigorante quanto. Aproveitei melhor, até porque, fiquei bem perto de onde o som rolava solto e conhecia muito todo o repertório. Sem contar que a performance individual de cada um deles foi impecável.
 
Voltei para casa como quem acabara de realizar a heroica missão de lavar um mês de louça suja acumulada na pia da cozinha. Há momentos na vida em que temos de retornar às origens para reabastecer nossa inspiração e o requentar o interesse pelas coisas. O que nem eu nem ninguém na plateia sabíamos é que aquela seria a última vez que veríamos o quarteto e, especialmente, Ronnie James Dio.
 
Exatamente um ano depois daquela apresentação, o mundo recebia a triste notícia da morte do lendário vocalista, uma das mais marcantes vozes do heavy metal. Também achei ruim porque finalmente aquelas quatro figuras reencontravam criatividade da melhor espécie em suas carreiras. Ou seja, a coisa estava engrenando depois de anos de trabalhos chatos. Mas nossos caprichos não querem dizer nada ao destino. Então, abri uma cerveja, dediquei um brinde solitário a Dio. Agradeci a obra que nos deixou e o show de 1992, que particularmente trouxe um sentido novo para mim. Nada como a música (show) certa, na hora certa, para mudar o nosso dia (vida).
 
Henrique Inglez de Souza

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