UMA TEMPORADA COM RANDY RHOADS

Reprodução
Escrever uma matéria é sempre um processo de entrega. Dependendo da pauta, isso fica ainda mais intenso. A que originou essa bela capa da Guitar Player talvez tenha sido a experiência mais surreal, no sentido da conexão corpo, alma e resultado final. Randy Rhoads é uma lenda incontestável no mundo do heavy metal e da guitarra pesada. Foi inovador e carismático o suficiente para ajudar a transformar uma geração. O destino, entretanto, quis que sua trajetória, tal qual a própria vida, fosse curta. Morreu em um desastre aéreo em março de 1982, aos 25 anos. Deixou saudade aos seus próximos e um curto, mas rico, legado aos fãs – especialmente os dois primeiros discos solo de Ozzy Osbourne ('Blizzard of Ozz' e 'Diary of a Madman'), além do póstumo ao vivo de 1987 ('Tribute').
 
No início de 2008, mais ou menos, decidi que teria que prestar uma homenagem a ele e a tudo que representa. Teria que ser algo grande e o mais completo possível. Obviamente, uma entrevista estava descartada. O jeito foi correr atrás de todos com quem trabalhou. Eu sabia que não seria uma tarefa tranquila nem rápida – embora quisesse muito que fosse. Tinha consciência da longa e incerta aventura que me aguardava. E assim foi o esquema, cujo fim da principal parte só aconteceria em maio de 2010 – para publicação em novembro daquele mesmo ano.
 
Esse tipo de trabalho é algo que você parte com todas as rédeas nas mãos e acaba notando que, percurso adiante, foi ele quem te dominou por completo. Toma conta dos ambientes que frequenta, está no ar que respira, na cerveja que bebe, no sono que vem e em tudo que faz. É como se aquele assunto, neste caso, Randy Rhoads, realmente viesse passar uns dias em sua casa. Vocês se trombam, almoçam juntos, trocam algumas ideias, escutam música e depois cada um vai fazer algo seu. Enfim, essa era a nítida sensação que tive no período citado.
 
Nunca escutei tanto os discos do Ozzy quanto naquela época. Mais do que pesquisa para a matéria, havia me viciado. Era a minha conexão com o tema. E olha que foi tempo! Entrevistei umas seis pessoas ao longo de meses tortuosos, às vezes, desanimadores. Se um ou dois desses caras foi tranquilo fazer contato, a maioria me exigiu faro apurado, insistência e bastante intuição jornalística. Mas valeu a pena e, aos poucos, consegui ouvir as versões dos baixistas Bob Daisley, Rudy Sarzo e Kelly Garni, do baterista Lee Kerslake e do engenheiro de som/produtor Max Norman, que me contou preciosidades de estúdio.
 
Apesar de gramar, a coisa se alinhou de tal maneira que até mesmo o impossível aconteceu. Foi incrível a sincronia! Quando já estava certo de que não conseguiria avançar mais nas entrevistas e que chegara a hora de preparar o texto, eis que me surge a oportunidade da minha vida (naquele momento): uma entrevista com ninguém menos que Ozzy Osbourne! Surgiu completamente do nada! Embora fosse para uma matéria de capa na Rock Brigade (agosto/2010), é claro que aproveitei para lhe arrancar alguns depoimentos para minha homenagem ao Randy Rhoads. Mal podia acreditar que tinha conseguido! E o Madman foi supergente – ainda me deu o "ar" de sua graça soltando um discreto peido durante uma de suas respostas.
 
Entre março e outubro de 2010, executei o que chamaria de segunda etapa do processo: transcrever as entrevistas, traduzir, selecionar trechos, escrever o texto, acrescentar informações e ir atrás das fotos. Ali, a minha entrega já era total. Lembro de um dia estar ouvindo (pela milésima vez) a versão outtake de 'Dee' que está no 'Tribute' e ter uma viagem louca. Tão compenetrado no que fazia, era como se estivesse sentado ao lado de Rhoads no estúdio, ouvindo sua conversa com Norman (esse papo faz parte da gravação a que me refiro). Um ritual que não é difícil de acontecer em determinadas pautas - acompanhar o músico em seu habitat de gravação.

A sensação foi exatamente assim. Havia praticamente me esquecido de que escrevia sobre um cara morto há mais de 20 anos, o que tornou as coisas um tanto pesadas quando finalizei a matéria. No fim do deadline, após enviar o que havia feito ao editor, me bateu um vazio. Daquele que nos pega quando nos despedimos de alguém depois de um feriadão divertido ou uma temporada qualquer. Senti falta da rotina. Parecia mesmo que eu havia tido a visita ilustre de Randy Rhoads em casa (não no sentido Chico Xavier da coisa!). Por outro lado, fazia parte tudo aquilo. Há diferentes tipos de entrega, já que cada processo é de um jeito.´

Nunca mais escutei um álbum do Ozzy da mesma maneira que fazia até 2008. Essa capa é uma das que me trazem muitas boas lembranças. Tive um trampo considerável, mas uma satisfação sem fim. Valeu!


Henrique Inglez de Souza

Comentários