VALEU A DICA!

Henrique Inglez de Souza

Dificilmente o repertório de um show é perfeito – ainda mais se for uma banda de longa estrada. Por mais que gostemos de várias de suas músicas, sempre há uma ou outra que poderia ter sido executada ao invés dessa ou daquela. Não chega a ser um problema, mas, às vezes, seria ótimo se pudéssemos dar uns pitacos na seleção do que será apresentado, não é mesmo?
 
Sei disso porque pude experimentar algo quase assim. Quando o Accept esteve no Brasil, em 2011, tive a chance de entrevistar o guitarrista Wolf Hoffmann. Foram dois os papos: um por telefone, meses antes da performance por aqui, e outro a cerca de meia hora deles subirem ao palco, já em São Paulo.
 
Embora a vinda do lendário grupo alemão de heavy metal fosse inédita, as conversas que tivemos basearam-se no então novo álbum, 'Blood of the Nations' (2010). O registro marcava a retomada das atividades do quinteto e também a estreia do vocalista Mark Tornillo no lugar do carismático Udo Dirkschneider.
 
Durante a primeira entrevista, perguntei se o repertório teria um formato especial, já que nunca haviam tocado no Brasil – onde há muitos fãs de Accept. Também citei alguns de seus discos mais famosos por aqui. O guitarrista ficou feliz ao saber da legião de admiradores que os aguardava. Interessou-se em ficar a par dos trabalhos mais queridos, afinal queria preparar algo realmente memorável, mas não fazia ideia de que canções escolher. Aproveitando a deixa, mandei três nomes: 'Screaming for a Love-Bite', 'Love Child' e 'Amamos la Vida'. Ele agradeceu e disse que anotaria as dicas.
 
Exceto pelas duas primeiras – grandes clássicos –, não botei muita fé na balada de título em espanhol. Na verdade, é pouco conhecida e provavelmente não tão adorada pela maioria quanto é por mim. Mesmo assim, resolvi incluir na lista – só pra dar um volume nos pitacos. No final da nossa conversa seguinte, já no hotel em São Paulo, voltei ao assunto. Perguntei se alguma das minhas sugestões havia servido. Simpático, Wolf disse que sim, que talvez tocassem uma das três canções. Como faltava pouco para o show começar, terminamos o papo ali.
 
Além de cobrir, eu iria fazer fotos da apresentação. Para a minha surpresa, havia poucos fotógrafos – uns dois ou três, no máximo (normalmente, tem, no mínimo, uns dez). Foi ótimo ver aquela escassez, pois ficaria com área livre para clicar à vontade. Para melhorar, poderíamos trabalhar ali o espetáculo inteiro – quando a praxe permite somente as três músicas iniciais.
 
Com casa pequena, mas lotada, o Accept encontrou um ambiente mais que favorável. O público cantava todas as letras. Até mesmo nas novas era possível ouvir a galera acompanhando (naquele inglês podreira, baseado nos sons das sílabas). Ainda no início, Wolf me avistou na frente do palco com a câmera (a cerca de um metro) e deu aquele alô com a cabeça.
 
A noitada caminhava a mil por hora. Foi um clássico atrás do outro: 'Starlight', 'Breaker', 'Restless and Wild', 'Monsterman'... Para a primeira vez no Brasil, os caras acertaram na medida. Foi revigorante conferir 'Metal Heart' ao vivo e embalar no emblemático solo marcado pelo trecho de ‘Pour Elise’ (Beethoven). Sensacional! Entretanto, na sequência daquele hino metaleiro tive um momento particularmente mais empolgante.
 
Depois de, acho, meia hora com saraivadas de chumbo grosso em nossos ouvidos, tivemos uma calmaria. Pudemos ouvir a introdução de, acreditem, 'Amamos la Vida'! Admito que foi uma surpresa e tanto. "E não é que meu pitaco deu certo?", pensei. Ainda nas primeiras notas da canção, o guitarrista tornou a olhar para mim e acenou com um sorriso do tipo "ei, aqui vai a sua dica". Retribuí com um sinal de joínha, tipo "porra! Valeu, cara!"
 
Bom, é verdade que o repertório não foi lá impecável (o que não quer dizer ruim). Por outro lado, levando em conta que a única executada das três sugestões que dei foi exatamente a menos provável, não dá pra reclamar. E a galera que estava lá até se empolgou com essa balada - mais do que eu imaginava. Antes de voltar pra casa, parei pra tomar umas cervejas e "bebemorar" tal... errr... exclusividade. É ou não é?
 
 
Henrique Inglez de Souza

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