UM ROBERTO MENESCAL

Foto: Jorge Kiehl

Com Menescal, a bossa está sempre nova. E antes que alguém apareça reclamando puxa-saquismo, vale um destaque. Isso aqui não é bajulação panaca nem tietagem fast-food. Quero simplesmente aplaudir uma figura tranquila, atuante e sem aquele verniz retrógrado dos conservadores. Fez e faz de tudo, tal qual qualquer estilo deve ser tratado.
 
De 'O Barquinho' e 'Você', alguns de seus primeiros clássicos (ao lado de Ronaldo Bôscoli), o músico capixaba percorreu uma trincheira bem eclética. Não ficou preocupado em dar cada vez mais altura ao seu banquinho nem buscar blindagem atrás do violão. Traduzindo: não virou um puta dum fresquinho egocêntrico e chato, avesso ao público que o consagrou – como muitos dos medalhões da música brasileira.
 
Isso, claro, vale também para a forma de fazer música. Sua bossa não é mais nova, passou a manter-se novíssima. "Não sei mais fazer a batida que fazia na época", me confirmou num papo recente. A mente e o coração acompanharam os passos incansáveis do tempo e amadureceram como tinha que ser. "O limite está muito na cabeça", ressalta.
 
Menesca quer mais é estar junto de pessoas interessantes e interessadas. Se a ideia soar legal, manda brasa. Dentro desse espírito, já colocou o talento a serviço de inúmeras gravações, incluindo coisas esquisitas. Por exemplo, já fez versões bossa nova para Michael Jackson, Stevie Wonder, The Clash e assim vai. Já tocou e gravou com meio mundo – sendo que a outra metade conheceu subindo no palco.
 
TOCA RAUL!!!
 
Uma faceta que me admira é a de diretor artístico da extinta PolyGram. Talvez você não saiba, mas durante uns 16 anos (1970-1986), justamente no auge da MPB e tudo mais, ele deixou de lado justamente seu principal companheiro, o violão. "Achava que não podia estar dirigindo uma gravadora, dando palpite em músicas e tal, enquanto continuava tocando e aproveitando músicas minhas", justifica. "Nesse período, fiz uma música só, que foi 'Bye Bye Brasil', com o Chico Buarque. Mas foi para um filme [homônimo, de 1979]".
 
Por ouro lado, ajudou a burilar ou até a erguer carreiras de gente como Pepeu Gomes, Luiz Carlini, Sidney Magal, Biquíni Cavadão e Capital Inicial. Pai do rock brasileiro, Raul Seixas também foi alguém a quem deu uma forcinha e tanto. A história vale ser contada pelo próprio Menescal.
 
"O conheci no Festival Internacional da Canção [1972], quando fui ver qual era o material classificado. Ele me viu e falou:
 
- Roberto, sou compositor e estou com uma música classificada ['Let me sing My Rock n Roll']. Você teria interesse em ouvir?
 
- Claro! Estou aqui para isso.
 
- Uma música estou [classificado] como compositor e outra como produtor – que era uma do Sérgio Sampaio, 'Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua'.
 
"Quando ouvi, disse que queria as duas e perguntei:
 
- Quem vai cantar uma e outra?
 
- Bom, a do Sérgio é ele mesmo. A minha, eu não sei.
 
- Pô, mas você não quer interpretar? Está tão legal a demo que me mostrou.
 
- Eu topo!
 
- Você usaria trajes de rock e tudo? – o Raul estava de terno e gravata, com uma maletinha daquelas tipo 007.
 
- Claro que sim! – botou a roupa e se apresentou no festival.
 
SURGE UMA NEURA
 
O contato entre Roberto Menescal e Raul Seixas rendeu boas lembranças. Uma delas se transformou numa neura que acompanha Menescal até hoje. "Me perguntam como me classifico na bossa nova e digo que eu, o Carlinhos Lyra, Marcos Valle e outros tantos somos bons números 2. Já João Gilberto, Vinícius de Moraes e Tom Jobim são os eternos números 1. É claro que os meus amigos não gostam disso, mas tenho essa visão muito clara para mim".
 
Mas que raios é isso de "número 1" e "número 2" e o que têm a ver com o Raulzito? Se você está se fazendo essa pergunta agora, lá vai a explicação do mestre: "'Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua' estourou e começou a vender, e comentei todo empolgado.
 
- Raul, que ‘tiro’ você trouxe para mim!
 
- Pera aí! Você está muito empolgado com ele...
 
- Claro que estou! Não é pra ficar?
 
- É pra se empolgar, mas acho que você tem que se empolgar sabendo exatamente o que ele é.
 
- Mas como?
 
- Ele é um bom número 2.
 
- E você?
 
- Eu sou um bom número 1.
 
- Qual é a diferença?
 
- O bom número 2 é bom, traz música e tal, mas você sabe que talvez seja só aquilo. Já o bom número 1, pode até ser que não tenha sucesso tão rápido, mas segue fazendo coisas.
 
- Tudo bem, vou ficar de olho nisso!

"E não deu outra! Cada vez que o Sérgio ia a um programa, não se dava bem, não tinha carisma de público. E o Raul, cada vez que ia, seu disco desenvolvia mais".
 
MAIS UMA DELA...
 
Quem reaproximou Roberto Menescal da velha paixão, a de tocar, foi uma grande amiga sua e diva de todos nós: Nara Leão. No início de 1985, o violonista queria celebrar os 15 anos da cantora na gravadora e lhe perguntou o que gostaria de ganhar de presente. "Um disco de voz e violão", ouviu. "Nunca consegui fazer um assim", explicou ela. "Quando começo, vocês vão colocando contrabaixo, bateria, cordas, metais... e perco aquela intimidade que queria dar".
 
Embora tivesse prometido arrumar um bom violonista para o projeto, Menescal fora convencido a preparar todo o material antes, junto com Nara. "Quando chegou a hora de gravar, falei que tinha três caras para lhe propor, e ela: 'Roberto, pensa bem: quem é que vai fazer melhor que nós dois? Você já está dentro do disco sem querer'". O resultado dessa conversa saiu na forma do agradável 'Nara & Menescal: Um Cantinho, Um Violão' (1985).
 
Interessados em lançar o trabalho no Japão, os executivos daquele país pediram para que a dupla fizesse shows de divulgação. "Pensei: 'A Nara armou essa coisa toda com o presidente da companhia sem eu saber'", continua Menescal. "Disse que não poderia ir, que não dava para largar os compromissos que tinha, mas ela: 'Pode, sim! E o seu presidente vai falar com você'". Liberado, o músico viajou para o outro lado do mundo. A experiência foi tão boa que resolveu retomar a carreira e largar o lado corporativo.
 
Na ocasião, foi detectado que Nara Leão tinha um tumor cerebral inoperável. O violonista, então, decidiu passar o tempo que restava a ela ao seu lado. "Quando a Nara morreu, quatro anos depois [1989], disse: 'Estou com a consciência limpa que fiz o possível, o que tinha que fazer'. Mas depois concluí que ela é quem tinha feito uma coisa legal comigo – e não o contrario. Me colocou na música novamente sem eu sentir. Mais uma dela..."
 
COM TUDO E PRA FRENTE
 
Desde o empurrãozinho da amiga, Roberto Menescal voltou com tudo "e querendo recuperar os 16 anos parado", completa. "Tenho a sensação de que até hoje não me recuperei todo – no bom sentido. A vontade de tocar, agora, me parece maior do que nos tempos antes de entrar para a PolyGram".

Normalmente, artistas veteranos tendem a perder o fôlego e deixar a inspiração escapar junto. Mas esse não é o caso do violonista capixaba que também é apaixonado por bromélias. Nos últimos cinco anos, por exemplo, lançou álbuns de espécies bem variadas. O norte, claro, é a bossa, mas o discurso e o traje ganharam tons e cores plurais.

Andy Summers que o diga. O ex-guitarrista do Police, grande fã da nossa música, tratou de se aprimorar ao violão para dividir as atenções com o mestre da bossa – que também não se limita ao violão e manda ver com uma guitarra elétrica. Fizeram shows e gravaram juntos o DVD 'United Kingdom of Ipanema Roberto Menescal convida Andy Summers' (2011).
 
Isso aqui é só um pouco desse cara chamado Roberto Menescal. Um grande músico, não só pela importância artística, mas pela forma como conduz sua estrada. Além do mais, quem conhece sabe, é um sujeito simples e divertido, que está sempre munido de um sorriso para tratar as pessoas ao seu redor. E, para pessoas assim, nós TEMOS o dever de tirar o chapéu.
 
 
Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Não obstante ter sido músico fundamental para a Bossa Nova, Menesca não é reconhecido como tal. Henrique, este texto, de certa forma, lança luzes sobre um artista talentosíssimo que merece o reconhecimento da mídia especializada e do público. Parabéns pelo texto e que possa ser a catapulta para içar Menesca ao patamar dos mestres da MPB. Valeu.

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    1. Pô, Paulo Jorge Dumaresq... Muito obrigado pelas palavras! Também acho que ele seja subvalorizado. E é um cara que está aí, atuando, gravando... É a cara da bossa nova anos 2010. Valeu pelo comentário e tomara que realmente o texto possa dar esse alô ao qual se referiu. Abração!

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