SCORPIONS: O MELHOR ESTÁ POR VIR
A sensação de ter algo incompleto ou não totalmente satisfatório é uma pulga que costuma visitar a parte de trás das orelhas de muitas pessoas. Em uma área como o jornalismo, posso garantir ser uma constância. Mas, ao mesmo tempo, serve de estímulo para verdadeiras aventuras terem chance de acontecer e permitirem boas reportagens.
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Henrique Inglez de Souza |
A sensação de ter algo incompleto ou não totalmente satisfatório é uma pulga que costuma visitar a parte de trás das orelhas de muitas pessoas. Em uma área como o jornalismo, posso garantir ser uma constância. Mas, ao mesmo tempo, serve de estímulo para verdadeiras aventuras terem chance de acontecer e permitirem boas reportagens.
Com o Scorpions, foi exatamente assim. Desde
2005 entrevisto Matthias Jabs, um dos dois guitarristas. Entretanto, seu
parceiro de seis-cordas é Rudolf Schenker, o cara que fundou a banda, em 1965.
Ou seja, uma figura com quem eu teria de conversar, cedo ou tarde. Não ficaria
profissionalmente satisfeito sem isso. E a coisa ganhou certa pressão a partir
de 2010, quando eles resolvem fazer sua última grande turnê pelo mundo.
A jornada de despedida do quinteto alemão
passou em duas ocasiões pelo Brasil: em setembro de 2010 e setembro de 2012.
Como na primeira eu havia tido uma amistosa conversa com Jabs, minha intenção
era aproveitar a segunda visita para entrevistar Schenker. Sabia que a tarefa
não seria fácil, pois ele não é chegado a falar com a imprensa. Mesmo assim, claro,
tentei. Durante uma semana, mais ou menos, nenhuma resposta animadora surgiu de
qualquer contato que pudesse me aproximar da pauta. Fiquei um tanto contrariado
e nada conformado. Conseguir virou questão de honra!
Depois de passar por Belo Horizonte
(11/09), o Scorpions daria seu derradeiro adeus aos brasileiros com dois shows
em São Paulo (20 e 21/09). Meu panorama só mudou algumas horas da primeira
performance. Recebi um telefonema da gravadora dizendo que haviam conseguido um
phoner (entrevista por telefone). Minha alegria juntou-se à pressa, pois teria uma
hora para preparar as perguntas. Começava ali uma correria que só terminaria na
madrugada de domingo.
A postos no horário combinado, 17h
daquela quinta-feira, nada do meu telefone tocar. Quando finalmente recebi uma
ligação, foi para saber que o guitarrista estava meio cansado. Entrava em cena,
então, um dos membros do staff brasileiro que acompanhava a turnê. Remarcamos a
entrevista para o mesmo horário no dia seguinte, só que pessoalmente, no hotel da
banda. Logo, ouvi o alerta: "Seja pontual, pois ele é meio chato pra essas
coisas".
Na sexta, saí com boa antecedência, porém
até mesmo a melhor estratégia fraqueja diante de um grave problema em São
Paulo: o trânsito infernal. Às 16h, tentei ganhar meia hora com o produtor
brasileiro e recebi a mensagem: "Não sei se dá, mas voa, porque ele é chato". A coisa complicou: no
máximo, arranquei mais 15 minutos de sobra. Sabia que não seriam suficientes, e
a minha ansiedade desaguou num bravio mar de tensão dentro do táxi.
Previsão confirmada! Sem alternativa e a
um amargo contragosto, tive de abrir mão da entrevista. Não havia condição de
chegar antes da banda sair rumo ao local do show (Credicard Hall). Enviei minha
mensagem final às 17h40. Desanimado, mudei meu trajeto e voltei para casa. Entretanto,
meu celular tocou – era o produtor. Por incrível que pareça, ele insistia na
entrevista. "Não dá pra começar pelo celular e depois você termina de outro
jeito, sei lá?" Expliquei que não havia como, já que precisava gravar. Pedi que
agradecesse ao Schenker e ouvi: "Ele está aqui, perguntando de você, se não
vem. É melhor falar com ele. Assim, agradece também".
Eis que de repente surge a voz de um
animado Rudolf Schenker do outro lado da linha: "Ei, Henrique! Como vai? Que
coisa esse trânsito!". Contei a tarde que me segurava por duas horas e o
guitarrista brincou: "Duas horas? Mas de onde está vindo, do Rio de Janeiro?" Só com um
helicóptero chegaria lá imediatamente, respondi. O veterano alemão, então, me
perguntou quanto tempo achava que levaria para chegar ao hotel e quanto duraria
o papo. Chutei uns 40 minutos para cada. "Então faz assim: arrume um
helicóptero e corra para cá. Enquanto isso, vou adiantando umas coisas aqui",
disse com bom humor.
Peguei outro táxi e me mandei para lá. Consegui
entrar no hotel 50 minutos depois, às 19h. Assim que me deparei com Schenker,
agradeci a paciência e falei: "Foi mal, mas não achei um helicóptero". Finalmente começávamos a entrevista, sob um ótimo astral. A conversa
fluiu legal e parou quando o empresário do Scorpions apareceu avisando que era
hora de partir para o Credicard Hall. Simpático
e com uma taça de vinho branco na mão, o guitarrista pediu que me levassem
junto para terminarmos a entrevista. "Nos vemos lá", despediu-se.
O produtor brasileiro, que estava
acompanhando a conversa, virou-se para mim com cara de surpresa: "Nossa! Sem
brincadeira, não o vi tão interessado em uma entrevista como agora. Até achei
que depois da sua primeira pergunta a coisa iria estragar, mas não. Ele estava
realmente a fim. Enquanto você não chegava, ficava me perguntando 'o repórter
não vem?'". Ouvir isso fez valer cada segundo de estresse daquela tarde penosa.
Segui com o comboio da banda até o local
da apresentação. Nos bastidores, aproveitei para rearranjar a pauta. Enquanto
isso, acompanhei a agitação dos bastidores: tietagem e incontáveis fotos dos fãs
com os músicos, enquanto empresários, seguranças, copeiras, técnicos e
convidados circulavam de um lado para o outro. Também percebi que estava próximo da
mesma sala onde havia conversado com Matthias Jabs, exatamente dois anos antes.
Por fim, chegou a minha vez. Fui ao
camarim do Schenker, que me trouxe duas cervejas e respondeu minhas perguntas
com a mesma disposição. Depois, agradeci por tudo e entreguei-lhe um CD com uma
das fotos que havia feito no show de 2010.
Ele me retribuiu dando algumas palhetas e uma cópia do setlist autografada. Na
antessala estavam Jabs e Andreas Kisser (Sepultura), que é amigo do grupo. Cumprimentei
ambos e disse ao Jabs: "Nós conversamos aqui da última vez em que estiveram em
São Paulo". "Sim, eu lembro", respondeu, antes de trocarmos mais algumas ideias.
Rudolf Schenker perguntou se não
gostaria de conversar com seu técnico (função também conhecida como roadie).
Concordei e um cara da equipe me levou até a pessoa certa. Já na sala dos
técnicos, investigando os equipamentos que o guitarrista utilizava, eis que
ressurge o próprio Schenker pedindo que me dessem toda a informação que
precisasse. Reportagem completa com sucesso! Menos uma pulga profissional atrás
da orelha.
Fiz questão de procurar o produtor
brasileiro, que se mostrou competente e bastante atencioso durante todo aquele
percurso – ao contrário do que normalmente se vê. Acabei sendo conduzido à área
vip da plateia para conferir o show que, teoricamente, não iria cobrir (por não
estar credenciado). Tarde caótica para uma noite perfeita.
Pude ver a última performance do
Scorpions no Brasil. O repertório não fugiu muito à previsível seleção de hits
misturada a canções do álbum mais recente, 'Sting in the Tail' (2010). Apesar
disso, a curtição teve um sabor especial por tudo que havia passado. Pensando no que havia acontecido e na minha "história" jornalística com o grupo desde 2005, nunca me
fez tanto sentido cantar o refrão da música 'The Best is Yet to Come'.
Henrique Inglez de Souza
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