WHISKY
Caramba! Agora que vi que tenho pouco
whisky em casa – foi a minha surpresa assim que desliguei o telefone. Já
arquitetando uma noite de começo, meio e finais repetidos ao longo das horas,
minha primeira atitude teve, evidentemente, a ver com o bar. Ou melhor, o meu
barzinho particular. Nada como uma bebida para desajustar barreiras, derrubar o
andaime e superar valores repressivos.
Mas acontece que havia apenas meia
garrafa de um saboroso Johnnie Walker me punindo naquele momento. Que cabeça a
minha! Em menos de uma hora, receberia uma das mulheres mais lindas que já vi. Tinha
um corpão cujas principais curvas costumavam divulgar sua beleza de forma
tentadora e escancarada.
Não a conhecia bem. A coisa ainda estava
caminhando entre nós e sentia que evoluía bem. Na medida do animador. Considero
muita sorte ela ter ido com a minha cara, meu jeito, sei lá! Portanto, se o
destino resolvera me presentear assim, não poderia dar tamanha bola fora. Beber,
todo mundo bebe (um tantinho assim, que seja). Eu queria acrescentar um quê
especial e fugir das triviais cervejas. Nada melhor que um nobre destilado...
A minha situação alarmava porque oferecer
uma única dose de whisky e nada além seria desdenhar o bom humor do acaso. Seria
fazer papel de otário. Enfim, tudo o que menos se precisa em uma oportunidade.
Saí correndo rumo ao local mais próximo para comprar outra garrafa. Não iria
encontrar a mesma realidade de preço da importadora que costumo ir. Sabia que o
valor estaria "salgado", mas foda-se! Valia a pena.
Cheguei a uma dessas grandes redes de
supermercado e fui direto à seção de bebidas. Nada de achar o velho Johnnie! Havia
marcas tão potentes quanto, mas tinha que ser aquele! Ela era roqueira até o
último fio do cabelo loiro tingido que fazia sua cabeça irradiar de longe. Claro
que preferiria o Johnnie Walker (ou Jack Daniel's) – jurava eu. Entretanto, a lei de Murphy confirmou
sua infalibilidade. Tive de ceder. Levei um Chivas Regal. Pelo menos, tinha
"munição" da boa.
Em casa, promovi aquela bagunça para
disfarçar a bagunça. Foi um tal de enfiar tranqueirada num armário fechado a
chave, varrer o excesso de poeira (uma parte para o óbvio esconderijo debaixo
do tapete), minimizar a louça suja de dias que atravancava a pia, dar um fim no
monte de roupa suja. O serviço que costumava levar dois dias, por aí, estava
finalizado em três horas. Recorde! Era só dar um tapa no visual e esperar a
minha amiga, protagonista da noite. Moleza...
Dez minutos após o combinado e a demora
dela começava a me incomodar. Ansiedade a mil. Esse intervalo entre o horário
marcado e o tradicional atraso costuma ser altamente corrosivo aos cabeças-quente
(como eu). Mas a ocasião me dava motivo. Era do tipo de mulher que raramente
chove na minha horta. Difícil detalhar tamanha beleza. É daquelas que os
mineiros diriam ser "é pra casar".
Porra, meia hora e nada dela! Não havia
o que pudesse baixar a pressão. Será que vai furar? (pensei apreensivo). Decidi
que ligaria para saber o que estava acontecendo. Primeira tentativa e não
atendeu; segunda e caixa postal. Sinal perigoso... Porém, antes que pudesse
iniciar minha sessão de descarrego à base de xingamentos dedicados a ela e
todos de sua família, meu celular tocou. Até que enfim, caralho! "Oi!
Desculpa... Vi que ligou, mas estava dirigindo e não deu para atender. To
chegando". Aquelas palavras mudaram completamente o ambiente e meu semblante.
Agora sim!
Lavei o rosto para tirar o suor de
ansiedade misturada a raiva e voltei ao meu posto no sofá. Bastava esperar uns minutos
e a grande noite começaria MESMO. Já deixei o whisky à mão, bem no esquema de
encharcar nossas cabeças. Pensei em tomar um gole para dar aquele grau inicial,
mas desisti. Calma! Agora falta pouco – me policiei.
Quando o interfone tocou e, em seguida,
a campainha, quase comemorei como um gol de placa. Do outro lado da porta, uma
beldade dos contos de fada em uma imagem tipicamente rocker. Meio bobo, disse
um "entre". Ela também estava sem graça – normal. O momento de colocar cada estapa
do plano em prática havia chegado!
Dei um tempinho, conversamos alguma
coisa, e assim foram os dez primeiros minutos. Meus olhos brigavam comigo para
conseguir aproveitar a bela paisagem que eram aquelas pernas nuas bem ao meu
lado, as quais deixavam sua saia ainda mais curta. Tentação latejante. Arrisquei
uma investida: "Você quer um whisky? Acho que vou encarar uma dose...".
A bebida ainda desaguava no vazio de um
dos copos que havia separado quando ouvi de volta: "Nem... Valeu, mas eu não
gosto de whisky, não. Nunca fui de whisky. Acho ruim o gosto. Forte demais e
amargo. E também, na verdade, não vou poder ficar muito. Tô morrendo de sono,
cansada. Passei pra dar um alô, só".
Desconcertante, cortante e congelante.
Só por essas três palavras é possível imaginar a minha cara sem reação nos
segundos após a surpresa. Simplesmente tudo o que havia planejado
minuciosamente acabara de ir pelo ralo. Nem mesmo uma resposta "automática"
para eventuais deslizes eu tinha para disfarçar o silêncio que se formou – se
tinha, estava em qualquer lugar que não a minha memória. Tentei ver se queria
beber outra coisa, mas ela recusou educadamente e insistiu que tinha que ir. E
foi!
Até hoje me espanto com a completa
transformação da noite a partir do whisky. Depois da despedida, fechei a porta
de casa e continuei estático por ali. "Não é possível!", reclamei e me virei.
Sem tanto esforço, avistei meu copo cheio e intacto na mesa. Arrematar o
destilado serviu para fazer os meus pensamentos trabalhar. E também me mostrar
o quanto sou teimoso em querer planejar demais a vida. Isso é péssimo e
acontece a toda hora.
Estamos constantemente embarcando em
pressupostos e possibilidades que se concretizam antes mesmo de a realidade nos
mostrar se são mesmo viáveis. No fundo, coisas assim demonstram aquilo que de
mais humano há: o egoísmo. Esse é o sentimento genuíno do bicho homem. Seja por
boas ou más razões, buscamos tudo visando abastecer o próprio ego. Até mesmo
essa dualidade que rege a vida (bem/mal, positivo/negativo, deus/diabo...) não
passa de prova cabal do mundo que queremos construir de acordo com nossas
vontades. Se não for do meu jeito, não serve. Ou é isso, ou não é.
Sofrem menos aqueles que conseguem
canalizar suas atitudes para o polo positivo do egoísmo. As expectativas mantêm-se
baixas, a cegueira emocional não interfere (tanto), os tombos são quase
imperceptíveis e fica mais leve viver. Certamente, o whisky que bebia ali
seria apenas uma dose de deleite e não a do desgosto cozinhando meus miolos.
Henrique Inglez de Souza
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