O LANCE ANTOLÓGICO DO XV DE PIRACICABA
Foto: Henrique Inglez de Souza
O futebol é cheio de figuras e histórias pitorescas. Algumas são extremamente difundidas, e até mesmo quem não liga para o esporte conhece. Outras, porém, são mais específicas, "escondidas", o que rende um sabor extra – e das quais costumo gostar mais. Conheço uma no mínimo curiosa (e até polêmica).
A cena é a seguinte: a menos de 5
minutos do final da partida, o jogador cobra o escanteio e sai correndo na
direção da área. Por conta da ventania e da altura que a bola atingiu no
percurso, ele consegue arriscar uma cabeçada e... não é que acerta e faz o gol?
Bem, pelas regras, o lance não teria sido validado, mas o juiz acabou
registrando em sua súmula. Resultado: 2 x 2.
Não
estou falando de Pelé, embora a partida tenha sido contra o Santos. Trata-se de
José Maria Cervi, o Russo, centroavante do XV de Piracicaba, que realizou a
façanha no dia 28 de agosto de 1949 (no já extinto estádio Roberto Gomes
Pedrosa, em Piracicaba/SP). "Eu tinha velocidade, a vantagem era essa. Cheguei
a tempo, saltei e caí com bola e tudo para dentro do gol", explica ele, que se
tornou um dos grandes ícones do clube do interior paulista. "O juiz não viu o
lance e validou o gol, por isso apanhou. Os caras [do Santos] ficaram chutando ele por
trás, mas manteve [o resultado]". A saber, o árbitro era o inglês Percy Snap, que não
falava um pio em português.
Nascido
em 1927, na mineira Juiz de Fora, Russo mudou-se ainda muito cedo com a família
para Barra Mansa (RJ). Foi lá que, aos 15 anos, passou a integrar o Barra Mansa
Futebol Clube, também conhecido por Leão do Sul. Na equipe, permaneceu por uns três
ou quatro anos, vivenciando as primeiras alegrias – e até alguma frustração. "Disputamos
o campeonato fluminense e fui o artilheiro, mas acabei não sendo convocado para
a seleção do Rio por causa de panelinha. Eu, o artilheiro do time campeão, não
ser convocado!", lamenta.
A carreira
do camisa 9 (às vezes, 7) foi irregular e relativamente curta – por volta de uma década. Passou por times como Ferroviária de Araraquara, Taubaté, Fluminense
(da era Telê Santana, Didi e Castilho) e até nos europeus Monaco e Lyon – a empreitada
no exterior, entretanto, teve de ser encurtada bem antes da hora. Um
indigesto rompimento dos ligamentos do tornozelo estragou a festa.
Foto: Henrique Inglez de Souza
Embora
seu lance de grande expressão tenha sido o do XV de Piracicaba, a trajetória de
Russo guarda outras passagens interessantes. "Numa partida pelo Fluminense, o
Castilho, que era da Seleção Brasileira, caiu numa bola e se machucou. Eu estava
na reserva e o técnico pediu para que vestisse a camisa do goleiro e entrasse
em campo. Falei: 'Você está louco? Nunca fui goleiro na vida'... Só sei que a partida
terminou em 0 x 0. Não levei um gol! Depois, cheguei no Castilho e disse: 'Pode
desistir, que tomei o seu lugar', e demos risada", diverte-se.
Já
atuando pela Ferroviária, num jogo contra o Associação Atlética Orlândia, as péssimas
condições do gramado favoreceram um lance improvável. Após a tabelinha com Luizinho
Rosa dentro da área adversária, na hora de chutar à meta, Russo tropeçou e
caiu. Na queda, "meu calcanhar pegou na bola e ela entrou no cantinho do gol.
Caí de cara com o goleiro, que reclamou, e eu disse ironizando: 'Faço sempre
desse gol'. Deu confusão..."
Esse
é o Russo - para mim, a vida toda foi tio Zé Maria (ele é casado com uma
prima da minha mãe). Gente fina e com a paixão pelo futebol ainda latente, essa
figura orgulha a cidade de Piracicaba. E o ano de 2013 deixa essa ligação mais especial, pois a cidade celebra o centenário de
seu estimado Esporte Clube XV de Novembro (em 15/11). É verdade que o time não anda bem há algum tempo e que está longe
do grupo de elite nos campeonatos. Mas e daí? Paixão não se mede. Apenas se
sente.
Henrique Inglez de Souza
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