UM OTÁRIO VARRIDO

Quando não se tem o que fazer, porque estamos esperando alguém chegar ou fazer hora para sairmos, ou sei lá o que mais, acabamos aproveitando o tempo com as coisas mais vagas. Bom, nem sempre, mas normalmente sim. No meu caso, acabei viajando em algo bem imbecil, e é sobre isso que escrevi agora. Veja aí!

No inverno, a água fria fica terrivelmente gelada e a quente demora a se aquecer. Não sei por que, mas estava pensando nisso esses dias. Talvez porque o tempo esteja começando a ficar mais frio. Não fiz nenhuma descoberta genial. É até banal. Mas, àqueles que têm de experimentar tal bobeira diariamente – meu caso e, imagino, o seu também –, a coisa deixa de ser fútil para virar uma difícil tarefa, especialmente de manhã cedo, quando acordamos, e à noite, quando tomamos banho.

Não sei qual é o pior horário. À noite, nos movimentamos o dia inteiro, estivemos em atividade com seja lá o que for, e o nosso corpo está disposto a tudo, menos ao choque térmico – mesmo porque, é quando a lua começa a dar as caras que os ventos ficam mais incômodos. Dependendo do inverno, passam por nós feito lâminas impiedosas e cortantes.

Por outro lado, de manhã, quando ainda mal sintonizamos o novo dia e estamos com aquela cara de croissant amassado, também é bem complicado. Se conseguir tirar um dedão para fora do edredom já leva uma eternidade, imagine, então, jogar aquela água gélida no rosto – e sempre há umas gotas sacanas que nos atingem o pescoço, ombros e braços. Cada uma delas tem um impacto devastador nas manhãs de inverno.

Eu ainda tenho o agravante de ter que molhar os cabelos para deixá-los "penteáveis". Caso contrário, não há nada que os faça ficar como eu quero. Tenho cabelos rebeldes e anarquistas, por isso, só mesmo encharcando-os para colocar ordem na bagaça. O problema é que eu também acabo sendo penalizado com aquele irritante banho gelado logo de manhã. Cazzo! Ok, você pode dizer que isso é bom para acordar mais rápido, e eu não duvido. Só que, depois de uma tortura dessa, passamos boa parte do dia de mau humor. Até tocar guitarra fica menos legal.

É... Pensando bem, acho que lavar o rosto de manhã no frio é pior que o banho da noite. Houve uma época (faz teeemmpo) em que estava tão frio que cada encharcada de água à qual era obrigado a me submeter de manhã, eu dava uns berros em alto e bom som. Era quase um ritual. Saca quando temos de madrugar para ir à escola? Era assim: eu acordava (ou melhor, era acordado), relutava até conseguir levantar da cama e, assim que molhava o rosto, era um tal de "ahhhhhhhhhhhhhhhh, caramba!!!". Coisa de louco mesmo.

A empregada que trabalhava em casa contou que sua colega, que trabalhava no vizinho bem ao lado, achava que nós batíamos no cachorro e estava até ficando preocupada. Cachorro??!! De onde aquela energúmena tirou que aquilo era um cachorro? "Menino, você é louco!", disse a minha empregada. "Eu também escuto esses gritos, e só saio do quarto depois que você para" – tive que ouvir mais essa. "É bom mesmo", eu disse, só pra encher o saco que ela não tem.

Sorte de quem tem água aquecida na pia. Pensando nisso, cheguei até a planejar em esquentar água no micro-ondas para sofrer menos de manhã. Mas depois achei que dava muito trabalho e desisti. Bom, uma vez, eu tentei isso, só que acabei despertando completamente enquanto me mexia para preparar a água quente. Em suma, de nada adiantava a água quente. Bom, até ajudaria na hora de pentear a cabeleira, mas, quer saber, muito trabalho. Preferi continuar gritando nas manhãs tranquilas da cidade grande. Depois, quando pude optar por acordar a hora que quisesse, o frio ficou menos incômodo e a vizinhança agradeceu poder acordar sem ser aos berros de um otário varrido.

Henrique Inglez de Souza

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