ERIC CARR: RÉQUIEM EM PALAVRAS

Reprodução


Há exatos 20 anos, todo final de novembro nos traz de volta a lembrança das mortes de Freddie Mercury (Queen) e Eric Carr (Kiss). Ambos partiram dessa para uma melhor nos mesmos dia e ano – o primeiro em decorrência da AIDS e o segundo de câncer. Cada um ao seu modo, eles deixaram marcas importantes na história da música mundial. Sem dúvida, duas perdas imensas.

Se o Queen foi um território que explorei melhor somente no meio da adolescência, o Kiss foi a primeira banda que conheci e que me fez gostar verdadeiramente de rock. Eu estava lá pelos meus 8, 9 anos de idade e, desde então, o quarteto entrou para o hall de minhas preferências de cabeceira.

O som das guitarras, as canções, o visual e a coisa toda das máscaras. Era uma viagem sensacional aos olhos de um moleque encontrar fotos em revistas, nas capas dos vinis e em pôsteres. Não havia internet e eu morava longe, bem longe, das grandes capitais, o que tornava o acesso a revistas, informações e discos um tanto penoso. Mas também, quando achava, parecia ter descoberto petróleo no quintal de casa.

Lembro do impacto de me deparar com 'Creatures of the Night' em meio aos vinis de uma loja. Estava em busca do meu primeiro álbum do Kiss e esse era o único que havia. Parecia estar ali me esperando. Tive uma sensação indescritível, mesmo porque aquela capa é realmente uma obra de arte (a mais bonita de um trabalho do grupo, em minha opinião).

Ouvia sem parar. Já conhecia 'I Love It Loud', o que me ajudou a abrir frente às pedradas daquele repertório: 'Killer', 'I Still Love You', 'War Machine', 'Rock and Roll Hell', 'Danger', a maravilhosa faixa-título... Bom, citaria todas. Talvez por causa desse impacto o período de Eric Carr no Kiss (1980-1991) seja tão especial para mim. Ele foi o segundo baterista da banda e tinha um estilo cativante. Me fez até querer aprender a tocar bateria e ter um kit prateado igual ao seu na época (cujo álbum mais novo era o recém-saído 'Crazy Nights', 1987). Infelizmente, os tempos não me favoreceram: tinha espaço em casa, mas não tinha grana para comprar. Anos depois, quando tinha a grana, já não tinha mais espaço no “apertamento” em que morava. Acabei me dedicando à guitarra e ao baixo...

De volta ao gancho, nesse último 24 de novembro, separei os discos do Kiss com Carr. Ouvi um por um, alguns mais de uma vez: do estranho '(Music from) The Elder' (1981) ao hard rock farofa 'Hot in the Shade' (1989). Gosto de todos e de suas joias raras – 'The Oath', 'Nowhere to Run', 'Young and Wasted', 'Under the Gun', 'King of the Mountain', 'Good Girl Gone Bad', 'Let's Put the X in Sex' e 'You Love Me to Hate You', por exemplo.

Mas não tem jeito, dos oito álbuns que Eric Carr gravou com o Kiss, o meu favorito será sempre 'Creatures of the Night'. O som da bateria está simplesmente avassalador. Ouvir 'Creatures...', a canção, nos dá uma dose cavalar de energia da boa. E o curioso é que foi um trabalho cuja concepção aconteceu sob certa bagunça na casa... deles! Apesar de aparecer na foto da capa e nas promocionais, além de clipes, Ace Frehley, o guitarrista original, não gravou nem uma nota sequer.

A segunda guitarra ganhou vida nas mãos de um time de colaboradores: Bob Kulick (irmão do futuro guitarrista do Kiss, Bruce. Gravou o solo em 'Danger'), Robben Ford (solo em 'Rock and Roll Hell' e 'I Still Love You'), Steve Farris (solo em 'Creatures of the Night') e um tal de Vincent Cusano, que seria efetivado no posto de Frehley como Vinnie Vincent (solo em 'Saint and Sinner', 'Keep Me Comin'', 'I Love It Loud', 'Killer' e 'War Machine').

Outros nomes também deixaram suas marcas nesse Kiss "estendido". Foram eles os baixistas Mike Porcaro, do Toto, em 'Creatures of the Night', e Jimmy Haslip, do Yellowjackets, em 'Danger'. Eric Carr, além de comandar a pancadaria certeira na bateria e fazer backing vocals, tocou baixo na balada 'I Still Love You'.

Esse material sagrou-se o mais pesado deles até 'Revenge'. Para promovê-lo e também celebrar os 10 anos de carreira, Vinnie Vincent finalmente assumiu o posto de Ace Frehley. Aquela turnê mundial os trouxe ao Brasil pela primeira vez, com shows no Rio de Janeiro (estádio do Maracanã), Belo Horizonte (estádio do Mineirão) e São Paulo (estádio do Morumbi), em junho de 1983 – onde tiveram o maior público de sua carreira. A passagem por aqui, aliás, encerrou a turnê e a fase com as famosas máscaras.

Um agonizante 1991

Em março de 1991, quando o Kiss se preparava para trabalhar no novo álbum, Eric Carr descobriu que tinha um tipo raro de câncer no coração. Fez tratamentos, mas não adiantou. A doença já havia chegado a um grau irreversível. Em julho, usando peruca por conta da quimioterapia, participou de seu derradeiro clipe, o do single 'God Gave Rock 'n' Roll to You II' – embora apareça tocando bateria, a doença lhe impediu de gravar a faixa. Sua contribuição foi apenas os vocais na parte ‘a capella’ depois do solo, em que repete: "...to everyone, he gave his song to be sung".

Com a saúde bastante debilitada, seu posto ficou nas mãos de Eric Singer para os registros de 'Revenge'. Apesar da frágil condição, Carr ainda teve pique para ir à cerimônia da premiação MTV Video Music Awards, em setembro de 1991. Depois, as coisas pioraram vertiginosamente. Superou um aneurisma, mas sofreu a hemorragia cerebral que lhe deixaria inconsciente até morrer, no dia 24 de novembro.

A notícia caiu como uma bomba para muitos mundo afora, claro. Para mim, especificamente, representou o fim de um período na minha vida, a qual está constantemente associada à música. A partir dali, os discos do Kiss com Eric Carr ganharam uma cor a mais, um som a mais, outro brilho, principalmente aquele que me abriu o horizonte para o rock and roll: 'Creatures of the Night'. Até hoje é automático: quando escuto aquelas canções, revigoro a alma no ato. É uma terapia e tanto, e não me deixa esquecer que, um dia, ainda vou tocar bateria e ter um kit prateado!


Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Grande texto meu camarada, emocionante. Eric Carr o melhor baterista que o KISS já teve, e um dos melhores bateristas que já existiram no mundo da música, indiscutivelmente. Se Eric Carr não tivesse falecido, com certeza o KISS jamais voltaria com a formação original.

    ResponderExcluir

Postar um comentário