B.B. KING: PAPO MONOSSILÁBICO COM O REI DO BLUES


Não há nada que desarme uma pauta bem-feita do que respostas monossilábicas. Também não ajuda em nada se você estiver entrevistando alguém pessoalmente e, além das poucas palavras para cada assunto, o sujeito estiver com aquela cara de alface crespa o tempo inteiro. Mas enfim...

Foi mais ou menos assim que se desenrolou a minha entrevista com o mestre B.B. King, em março deste ano. Só que foi por telefone. Eu preparei umas perguntas bem legais, pesquisei pacas e estava pronto pra encarar a parada. Porém, logo que o papo começou, lá se foram as boas perguntas para o ralo. Suas respostas tinham, no máximo, uma frase – a maioria.

O lendário bluesman me atendeu bem, com simpatia, mas parecia cansado (e meio de saco cheio, para falar a verdade. Imagine só, a minha entrevista devia ser a milionésima que ele concedia em seus mais de sessenta anos de estrada). Mas tudo bem! Embora tenha sido um tanto embaraçoso conseguir vencer as respostas curtas, aquele dia era o ponto alto de uma história meio antiga.

Essa entrevista teve um gostinho especial para mim. Foi uma grande vitória. Primeiro, porque B.B. King é uma lenda viva do blues. Um cara de quem sempre gostei bastante – muito antes de sonhar em ser jornalista. Depois, aquela exclusiva foi uma chance que me caiu do céu e coroou algo que começou em 2006.

Naquele ano, ele veio ao Brasil com a que seria a sua turnê de despedida. Fiz de tudo para conseguir entrevistá-lo e ir ao show, mas nada deu certo. Fiquei em casa e frustrado. Mas desta vez, em 2010, foi bem diferente e melhor. Consegui ir ao show em São Paulo (a foto acima, fiz logo no início da apresentação) e ainda descolei a entrevista.

Nada como ouvir um grande músico de perto. Mesmo com dificuldade para andar e 84 anos nas costas, B.B. King foi magistral. O homem soltou o vozeirão a plenos pulmões – eu estava a cerca de um metro dele e pude ouvir sua voz “real” (sem ser a que vinha do microfone). Ao final da noitada, ele ainda teve pique para receber os fãs em seu, digamos, trailer-camarim – sim, era isso mesmo.

Curioso que sou, lá fui eu entrar na fila que se formou para que o velho bluesman pudesse atender a todos. Meus caros, devo confessar: haja saco, viu! Fiquei ali vendo as figuras que estavam prestes a encontrar o mestre. Havia de tudo, inclusive caras que já tinham passado da conta de tanto whisky (clichê em show de blues) e que beiravam o patético.

Uns falavam alto, empolgados como pré-adolescentes prestes a conhecer a Madonna. Outros, já com a mandíbula frouxa por conta da alta graduação alcoólica, repetiam sem parar: “Be-be Kingui é o rei do blues” (com o olhar fixo em algum ponto no chão). Isso sem contar que, quando o show acabou, um “xarope” ficou determinado a subir no palco para abraçar e beijar B.B. King, que, realmente, me surpreendeu pela paciência de monge budista - só mesmo assim para aguentar tanta paparicação exacerbada.

Foi então que chegou a minha vez de cumprimentá-lo e lá fui eu. O trailer não era dos maiores, mas tinha todo o conforto imaginável (claro!). Logo que apareci, trocamos um forte aperto de mão e ele me disse com um olhar sereno: “Você parece um artista de cinema”. Em seguida, sentei ao seu lado e trocamos duas palavras rápidas. Foi uma experiência única, que me fez exorcizar a frustração de 2006.

A noite se mostrou tão completa que nada poderia me abalar. Nada, exceto saber que o B.B. King iria dar uma entrevista para mim. Quando tive a confirmação (no início da tarde do dia seguinte, horas antes do que seria o papo), foi uma sensação boa demais – um desfecho bem improvável quatro anos antes.

Mas e as respostas quase todas monossilábicas que tive? Bom, depois de toda aquela aventura blues, só posso concluir que foi a desarmada de pauta mais legal que me aconteceu.

Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Adorei a sua forma de pensar sobre as respostas monossilábicas: é realista sem tirar todo o valor do momento.
    parabéns pelo post! Gostoso de ler.

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  2. Oi, Ana Carolina! Tudo joia? Valeu pelo seu comentário. Que bom saber que ficou gostoso de ler. A ideia é contar essas crônicas sem ficar um texto "pesado" ou "carregado" demais. Logo, logo, haverá outros textos para ler. Andei meio ocupado nas últimas semanas, mas agora vai dar pra publicar mais. Acho que lá pelo fim de semana. Ta convidada a voltar quando quiser ;)

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  3. Meu caro, parabéns pelo texto leve e cativante. Não sei se você teve a oportunidade de ver o King Of Blues novamente em 2012. Eu tive (foi minha primeira vez, em Setembro passado), e tive duas sensações distintas: euforia e tristeza. A primeira é facilmente explicada. Ora, dá pra conter a emoção quando se está a poucos metros de um sujeito que fez, faz e fará parte do meu acervo musical? Por outro lado, li um artigo brilhante que traduziu com perfeição o motivo da minha tristeza.

    http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,dois-bb-kings-no-show-do-rei-do-blues-em-sp,942568,0.htm

    Parabéns pelos textos.

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  4. Fala, Edu! Beleza?
    Valeu pela visita e o comentário! Infelizmente, não pude ir aos shows deste ano, e entendo sua tristeza. É o percurso das águas, não é mesmo? Não tem muito jeito...
    Mas estar diante de um músico tão iluminado é sempre uma experiência única e profundamente intensa. São coisas que a música nos traz. O chato é que hoje em dia está cada vez mais difícil encontrarmos músicos que nos comovam, como o B.B. King nos faz sentir.
    Grande abraço e valeu mais uma vez pelo elogio!

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