QUANDO A VIDA SONHA EM SER A ARTE

Acho curioso esse lance de banda cover "profissional". Tem caras que se travestem o máximo que podem só pra ficar como os ídolos. Alguns mudam, inclusive, o jeito de ser fora dos palcos para tentar adquirir traços do músico copiado. Ou seja, para estender o gostinho platônico de viver aquele sonho tolo de ser quem não é. Pra mim, isso é pura falta de bravura e personalidade musical.

Tudo bem que tocar material dos outros é um aprendizado e faz parte de um trecho da trajetória da maioria dos músicos, além de ser uma homenagem. Mas a coisa tem que amadurecer, evoluir, e chegar a um ponto em que se crie as próprias composições. O músico tem mais é que dar a cara a tapas e vender seu próprio peixe, as suas qualidades artísticas. É isso o que enriquece a diversidade cultural (o tesouro de uma gente).

É verdade que existem os intérpretes, mas há uma diferença abismal entre ser intérprete e cover. O primeiro é aquele que não tem o tino pra compor, mas, por outro lado, sabe dar nova roupagem (a dele) a uma canção. Exemplos não faltam: Elis Regina, que deixava canções de mestres com a sua alma, ou então o cantor norte-americano Joe Cocker.

Agora, o cover "profissional" já é aquela coisa meio forçada, artificial, de mimetismo. E há sempre umas bandas que rendem uns covers caricatos, tipo Raul Seixas, Elvis Presley, Michael Jackson, Beatles, Guns N' Roses e Kiss. Já vi várias coisas bizarras, de caras bem-vividos e barbados fantasiados de "Sgt. Peppers", com aqueles cabelinhos e oclinhos de John Lennon. Genéricos de Kiss também rendem coisas esquisitas, como máscaras que não têm nada a ver com as originais e sangue artificial improvisado com pacotinho de ketchup de lanchonete barata.

Uma vez, vi um Guns N' Roses cover tão tosco que o "Slash" usava chapéu de cowboy e o "Izzy Stradlin" parecia mais um integrante do Cachorro Grande. Sem contar o moleque que posava de Axl Rose dando uma de bravinho no palco, com carinha de mau e cantando com uma voz de dar inveja a qualquer motorzinho de broca de dentista.

O engraçado é que num show desse tipo, tudo é cover: os músicos, o equipamento de som (que costuma ser de qualidade sofrível) e até as groupies (aquelas mulheres que gostam de estender a noite com seus ídolos em um quarto de hotel). No mesmo show do Guns genérico que falei, lembro que depois da apresentação umas meninas foram trocar ideia com os músicos. O papo começou a esquentar, mas, na hora do vamo-vê, elas tiraram o corpo fora dizendo que seus pais estavam na frente do bar as esperando para ir embora – e não é que estavam mesmo?

Realmente, não vejo a menor graça nisso, muito menos em ser considerado o melhor cover de qualquer banda ou artista famoso. Como músico que quer viver de sua música, me sentiria extremamente frustrado por sair de cada show e voltar a ser o mesmo fulano anônimo que está no RG que carrego na carteira. Pra mim, seria um fardo viver à sombra dos outros e não produzir algo próprio, com a minha cara, que pudesse me expor. Afinal, de que adianta talento se não for aproveitado da melhor forma, não é mesmo?

Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Já vi grandes covers, que me encantaram. Como a Abbey Road, que são os Beatles.
    Mas concordo inteiramente com o texto. A arte tem que ter a pessoalidade e a expressão caracteristica do autor. Precisa ter espontaneidade e cada um tem que explorar o seu colosso interior.
    "Shine your crazy diamond!"

    ResponderExcluir
  2. Pois é! Tem muita banda cover com músicos bons, talentosos, mas que, pra mim, acabam não aproveitando de forma mais produtiva. Ou seja, criando.

    ResponderExcluir

Postar um comentário