COISA DE IMPLICANTE

Acho que, de tanto ir a show, ler sobre os serviços dos eventos mais noticiados e até deixar de ir a alguns deles por causa do valor absurdo dos ingressos, peguei uma baita implicância dos tais camarotes especiais. Principalmente aqueles caríssimos, com mesa, garçons e um monte de frescuras camufladas de comodidade. Pô, já vi coisas bizarras, como uma puta banda de rock/metal tocando e a mesa cheia de aperitivos, porçõezinhas quentes, refrigerantes, cervejas, etc. Parecia um jantar fora de casa regado ao som ambiente de Richard Clayderman.

Tudo bem que haja quem não goste de enfrentar a muvuca da galera na pista (a pista comum, claro). Também entendo que esse tipo de setor seja uma boa forma de se recuperar o investimento feito. Mas determinadas situações me fazem crer ser algo que torna a pose de alguns ainda mais pomposa e irritante. E não é inveja, não. É implicância! Mesmo sendo a atração os músicos no palco, o cara quer por que quer ganhar algum destaque. Setores vip viraram item de status ou, pior, consumismo puro. Sei lá! Tipo:

– Onde vamos hoje? Shopping, cinema, restaurante ou B.B. King?
– Ah, vamos ao B.B. King. Ele é famoso. (E é nessa hora que vai pelo ralo a mais da metade de século de carreira do lendário bluesman).

E, pra mim, os camarotes especiais ilustram esse loteamento abusivo que se pratica atualmente nos espetáculos de um modo geral e que deixa a maioria dos fãs com bemmm menos grana no bolso (ou sem ir ao show). Que camarote especial ou vip o quê, ô! Isso não deixa de ser uma segregação. É irritante. Há show em que o local está tão loteado, tão cheio de setores, que parece aquele quadro do boi "mapeado" que costuma haver nos açougues. Sabe qual é?

O Brasil quer ser Primeiro Mundo portando-se subservientemente ao que vem de fora. Como podemos deixar de ser uma colônia agindo assim? Aliás, até mesmo para espetáculos de alguns artistas brasileiros essa postura exploratória do pague-muito-caro-se-quiser-assistir é adotada. É na base da grife que a coisa funciona. Só porque é fulano de tal, os preços vão às alturas. Se o mesmo fulano não andasse mais tão badalado, os valores despencariam vertiginosamente. Parece aquela história dos CDs: quando é lançamento, custa os olhos da cara. Mas, poucos anos depois, já podemos encontrar o mesmo álbum em gôndolas de promoção por menos de 10 reais.

Em abril passado, quando o Iron Maiden veio à América do Sul, li na internet o Bruce Dickinson (vocalista) dizer em uma coletiva no Chile que o valor de mais de 2.200 dólares pelo ingresso do Paul McCartney naquele país era "ridículo". Não que as apresentações do grupo inglês no Brasil costumem ser baratas, mas fica difícil discordar dele. De novo: isso acontece porque é na base da grife que o mercado se orienta. E, em um cenário assim, os camarotes especiais e as pistas vip acabam sendo a vitrine de quem não pode ficar de fora do bochicho do momento – ao invés de serem apenas setor mais confortáveis e sossegados para se assistir a um espetáculo (o que, pra mim, seria a função original).

Detesto esse artificialismo que se cria em cima das coisas. Esse papo de coluna social, plástica de vaidade, carrão do ano e tudo mais. Quanta bobeira! Você pode até não concordar comigo. E nem precisa. Eu avisei que era coisa de implicante.

Henrique Inglez de Souza

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