O MODERNO É SER VINTAGE, BICHO! MORÔ?


Beatle!? Eu? Tá me estranhando? (Foto: Henrique Inglez de Souza)

"É uma guitarra que vale isso. É vintage!", foi a baboseira que tive de ouvir de um esforçado vendedor de uma loja de instrumentos musicais. Ele tentava me justificar o preço obsceno cobrado pela bela Stratocaster azul-calcinha que eu admirava (custava quase R$ 15 mil). E daí que é vintage? Aliás, acho um porre esse papo de "é vintage". Já perdeu a graça. Deixou de ser uma qualidade para se tornar o "molho pronto" do mercado. É mais um motivo para encarecer qualquer que seja o produto (instrumentos musicais, carros, motos...). E aí também vira desculpa para a eterna ponte ao passado. Ô, mania chata essa nostalgia demasiada!

Pessoal, vamos olhar pra frente! Não se pode viver Woodstock, aqueeeeele Woodstock, de novo; não adianta ficarmos cantando um Rio de Janeiro que ficou para trás há uns 50 anos; não dá mais para esperar uma reunião dos Beatles; Les Paul morreu; os caras do Kiss estão velhos, gordos e desfigurados demais para as máscaras; o Scorpions já não tem mais idade pra encarar uma gata como um furacão (e olha que os próprios admitem!); os anos 1980 passaram (há quem dê graças a Deus); enfim, estamos em 2011 e vamos tentar seguir em frente!

Para mim, essa busca ao passado virou um troço retrógrado demais: "Quero ser moderninho e só uso equipamentos vintage, com timbres e pegada clássicos". Já deu o que tinha que dar essa supervalorização de Beatles, Rolling Stones e The Who (por exemplo). São todos grandes e influentes nomes, mas está na hora de superar a adolescência perdida (mesmo que platônica). Cortar essas amarras ao passado glorioso será saudável. Pra mim, essas bandas emblemáticas tornaram-se referências porque eram peculiares. Ou seja, traçaram seus próprios caminhos, sem deixar que suas influências lhes dominassem.

Ninguém estava a fim de reproduzir o clima de determinada geração, mesmo porque eles próprios foram pioneiros. Mas a importância disso está na autenticidade. Esse pessoal que veneramos no pôster pregado na parede queria aprimorar o som dentro do som que faziam. Uma vez, li o Dave Davies, guitarrista do Kinks, contar como conseguiu aquela sua distorção clássica. Ele disse que, ao lado do estúdio em que ensaiavam, havia uma loja de peças para rádio, cuja vitrine exibia um pequeno combo de amplificador e falante (um Elpico verde). Depois de comprá-lo, o músico ligou o equipamento em seu amp Vox AC30 (tendo o Elpico fazendo o papel de pré-amplificador). Ainda não satisfeito, Davies cortou o cone do falante com uma lâmina de barbear e, assim, conseguiu aquele som distorcido maravilhoso – o qual pode ser ouvido em clássicos como 'You Really Got Me'.

Atualmente, costuma-se glamorizar esse tipo de precariedade, o que eu também acho tolo. Parece que som bom é só o analógico, com as mesmas guitarras, amps e microfones que se usava em uma época remota. E não é! Bom, pode ser para a música de uns, mas não é a regra. A questão não está em reproduzir os passos de nossos ídolos, mas sim em sacar seus exemplos para nos munirmos com energia suficiente para experimentarmos sem medo. Tentar apenas por tentar, e para se chegar a um som que nos agrade (e não só porque soa como Beatles ou seja lá quem for).

Pô! Lembro de quando se comprava um equipamento porque era legal, bom, bonito, e não por causa dessa glamorização do passado. Por exemplo, em 1995, eu ia praticamente todo fim de semana babar em um cabeçote possante e que minha grana insistia em mantê-lo apenas como sonho remoto. Eu queria por causa do som e por ser um equipamento que me resolveria a equação de poder tocar em qualquer lugar. Era por isso e não por ser "igual" ao que o Hendrix ou o Blackmore usou.

Saudade dessa época, viu! Parecia ser mais objetivo e acessível (ou bem menos caro) comprar guitarra, amps, pedais... até palhetas! Bons tempos, que não volt... Xiiii!!! Olha eu aqui, já me deixando levar pela nostalgia. Caramba! Isso pega!! Deixa eu parar enquanto dá. Isso é tudo pessoal!

Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Parabéns pela matéria Henrique! Concordo com vc que devemos seguir em frente e deixar o passado pra trás, mas isso seria bem mais fácil se tivessemos alguma banda de qualidade surgindo, o que eu não vejo acontecer desde os anos 90. Não consigo pensar em uma banda sequer que tenha surgido depois disso e feito alguma diferença, então pra suprir nossa necessidade em escutar uma boa música, nos apegamos ao passado. Abracetas! Eduardo Canton.

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  2. Henrique Inglez de Souza14 de maio de 2011 às 04:34

    Valeu, Eduardo! Olha, não sei se sou otimista em excesso, mas sempre duvido dessa constatação de que não tem surgido nada de qualidade há algum tempo. O problema é que os grandes veículos da mídia não estão mais interessados em coisas boas. Ficam nos empurrando um monte de porcaria. Nos vendem salgadinho e guaraná sabor maçã verde como sendo a coisa mais saudável e nutritiva, saca? Mas tenho visto e escutado bandas bem legais – por exemplo, lá em Santa Catarina (a cena que se chamou de Clube da Luta. O nome é ridículo, mas o som das bandas é bem legal e diversificado). Ou então, o Banzé!, que é uma puta banda legal de SP. Sei lá, a questão não é alguém que faça a diferença – isso, por sinal, é algo espontâneo (fazer a diferença). O que, pra mim, importa é ter um som legal, que tenha boas referências e cuja maior preocupação não seja reproduzir o ‘Revolver’, dos Beatles. O que eu digo nesse texto não é contra ao tipo de som com o qual o artista se identifica (anos 1960, 70, 80...), mas sim à postura. Ou seja, o problema não é o que se tem/faz, mas sim como se aplica. Você pode ter bandas que seguem a linha do pop rock oitentista muito legais, por exemplo. Mas uma coisa é seguir adiante em uma linha de som, outra é retroceder com essa linha. Aliás, outra coisa que é foda são essas bandas que querem-fazer-um-som-diferente... e, no final das contas, soam todas iguais, e chatas! Abraço!

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  3. Um de seus melhores posts! Passado pode ser apenas uma inspiração para um futuro mais bacana, e não uma obssessão como parece que se tornou ultimamente, e ainda mais, por ser capitalizada pela onda fashion...
    Abs.,

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  4. Valeu, Marcia! Pois é! O passado virou um grande negócio tbm, haja vista, além do já dito, essa postura que acaba colocando os valores dos ingressos lá nas alturas só pq é algum nome 'clássico', tipo 'veja antes que acabe!'. E, aí, ficam estimulando esse consumismo fantasmagórico de se buscar o passado. Deve ser por isso que bandas de sucesso, e que estão na estrada há décadas, não conseguem se desprender nos shows dos repertórios 'greatest hits', mesmo lançando discos novos bons. Abs!

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