DESSA MÚSICA NÃO GOSTAREI!

Sempre tem aquelas bandas que todos gostam menos você. Parece uma resistência heroica, e não é nem por causa do estilo musical. O mais engraçado é que, no fundo, até alimentamos certa simpatia. Entretanto, a inevitável autoafirmação adolescente nos impede de baixar a guara e curtir pra valer algo bom. O meu melhor exemplo de casos assim chama-se Megadeth.

Em 1994, durante o início de minha temporada no colegial (ensino médio), meus amigos adoravam Dave Mustaine e Cia. Ainda pairava o efeito contagiante de 'Countdown to Extinction' (1992) e faixas do poderio de 'Symphony of Destruction' e da que batiza o álbum (na primeira banda da qual fiz parte, em 1993, tocávamos 'Countdown'). Contudo, eu mantinha minha determinação em fazer pouco caso. Na verdade, tinha uma baita implicância com o jeito do guitarrista e vocalista cantar. Além do quê, thrash metal nunca foi top de linha na minha lista de preferências.

Sabe o que ganhei com isso? Porra nenhuma! Embora evitasse prestar atenção, havia algo nas canções que me atraía. Minha implicância não refletia uma aversão, afinal de contas. Por exemplo, se passasse um clipe na TV ou tocasse Megadeth no rádio, não mudaria de estação, como costumo fazer com artistas que, de fato, detesto. Porém, ao invés de conhecer a fundo o som dos caras, não estava nem aí.

No fundo, eu gostava da banda, mas meu orgulho por dizer o contrário resistia firme. Para mudar a situação foi preciso que acontecesse algo que acredito fazer parte do poder da música sobre nós – algo essencialmente involuntário, diga-se de passagem. No ano seguinte (1995), durante a segunda edição do extinto festival Monsters of Rock no Brasil, lá estava eu. As atrações principais eram Therapy?, Faith No More, Alice Cooper, Ozzy Osbourne e... Megadeth!

A banda do enfezado Mustaine promovia seu então novo álbum, 'Youthanasia', lançado no final de 1994. Além da avassaladora 'Train of Consequences', o repertório trouxe a balada 'A Tout le Monde' – a minha divisora de águas aqui. A composição é de muito bom gosto: melodia, arranjos e solos, tudo combinado perfeitamente. Já conhecia das rádios, mas ao vivo a experiência é sempre diferente, mais viva. As partes ganham mais vigor.

Diante disso, o que considero o ápice da canção simplesmente me atingiu feito onda brava de maré em ressaca. No final do verso após o solo de Marty Friedman, Dave Mustaine enche os pulmões para mandar a última frase antes do refrão e manda: "My body's gone, that's all...". Ele estica o "all" de maneira que fica realmente emocionante junto com o clima da música. Foi justamente o momento que me desarmou a resistência. No show deles no Monsters, em pleno estádio do Pacaembu (São Paulo), virei fã de carteirinha do Megadeth.

Incrível esse poder que a música exerce! Ela tem a dose exata para cada um de nós e age unicamente a seu tempo e modo. Emocionar é mesmo sua função, seja lá se é um thrash metal, um comportado erudito ou uma dispensável "bunda music" (axé, pagode, funk...). Cabe a mim, a você e a quem quer que seja embarcar naquilo com o qual estabeleça a melhor conexão. Se o que você compõe não tem essa capacidade, vá ser intérprete ou mude de ramo.

Não é que iremos gostar de tudo. Há estilos e porcarias que tocam pessoas e simplesmente não fazem parte de nosso universo (e nem queremos que faça – caso da bunda music para mim). Contudo, quando transitamos por campos que nos agradam, a música pode nos surpreender da forma que bem entender. Nestes casos, dizer "dessa música não gostarei" soa tão convincente quanto promessa de bêbado abraçado à privada, passando mal.


Henrique Inglez de Souza

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