Jornalismo musical: o que é uma boa entrevista?
Uma entrevista é um flerte constante. É a troca cuja condução depende
 de sua atuação, de como colocará as questões e da leitura que fará das 
reações que obtém. Deve considerar os instantes oportunos para tudo: 
interromper, opinar, emendar uma piada ou brincadeira qualquer, 
reclamar, elogiar, explorar o silêncio ou falar de si próprio (afinal, 
quem está ali para isso é o entrevistado). As rédeas estão em suas mãos! 
Pode até não ser a primeira vez que você conversa com determinado 
músico, mas o motivo que os conecta é norteado pelo clima que os rodeia.
 Então, independentemente da maneira como o trabalho será realizado, sua
 atenção e frieza têm de estar afiadas. E o passo primordial rumo a esse
 sucesso são as duas ou três perguntas iniciais. Elas normalmente 
colocam o encontro nos trilhos. Portanto, dê seu melhor e conquiste a 
personagem de sua pauta logo de cara. 
O que o leitor encontrará nas páginas da revista, do jornal ou na 
internet resulta de um conjunto de etapas. Reflete como pesquisou e 
abordou seu mote e também o desenrolar do diálogo que teve. Após reunir 
as respostas, chega o momento de avaliar. Nem sempre o que conseguimos 
rende de acordo com nossas expectativas. De repente, o esquema 
pingue-pongue (pergunta/resposta) inicialmente imaginado precisar virar 
uma matéria. 
E mais: dependendo da linha editorial do veículo, pega mal manter 
palavrões, afirmações mais ofensivas, determinadas interjeições. Pode 
haver quem se sinta lesado e arrume problemas complexos, como um 
processo judicial. É preciso ponderar tudo. Lembre-se de que carrega 
ética no sangue e responsabilidade nas costas! 
No caso dos excessos, analisar com isenção permite filtrar trechos 
sem relevância. Não importa se conversou com um fulano qualquer ou com o
 Bono Vox, o Chitãozinho, o Caetano Veloso ou o Paul McCartney. Sempre 
haverá a necessidade de se realizar o que chamo de lipoaspiração 
textual. Atue para cativar o leitor (sem atropelar a regra essencial de 
jamais desvirtuar sentidos dos depoimentos). 
O jornalismo musical permite uma abordagem mais coloquial – permite e
 pede –, desde que valha a pena. Descontrair o texto reduz a distância 
entre publicação e leitor. Como? Dá para se aplicar isso nas perguntas, 
na maneira de conduzir a conversa, no texto de abertura da entrevista ou
 na redação da matéria. Enfim, com sabedoria e criatividade, o material 
tem tudo para ficar atraente, suculento – convenhamos: uma matéria sem 
graça, burocrática e fria é algo extremamente brochante de se ler. 
Particularmente, gosto de manter detalhes que compõem a imagem fiel 
do entrevistado, por exemplo, gírias e palavrões (desde que não rompam 
com o limite do respeito e do bom senso) ou contar algo de inusitado que
 ocorreu durante a experiência. Esse recurso humaniza o texto. 
A ideia é aproveitar a liberdade que lhe é dada sem economia, até 
porque provavelmente o editor limará muito do que usou. Então, quanto 
mais usufruir do espaço criativo que tem, maiores são as chances de 
preservar sua pegada no resultado final. 
Até hoje lamento uma amputação textual aplicada à introdução da 
entrevista que fiz com o Chris Squire, finado baixista do Yes. Quis 
registrar uma curiosidade do papo, ocorrido por telefone, mas meu editor
 não viu da mesma forma e descartou o trecho. Ainda que o espírito geral
 tenha permanecido descontraído na publicação (revista Bass Player de 
maio de 2013), para mim, o corte tirou um pouco do brilho. 
A tal passagem descrevia o início de minha conversa com o baixista. 
Sua assessoria me deu 15 minutos, a partir das 15h. Disquei uma, duas...
 quatro vezes, e nada de ele atender (e meu horário ia se passando...). 
Quando ouvi a voz do Squire do outro lado da linha, mal deu para fazer a
 primeira pergunta. Gentilmente, ele me interrompeu: “Espere só um 
minuto...”. De repente, surgiram o som de algo funcionando, tossidas e 
mais barulho. 
Após 5 minutos, o músico inglês volta a dar um alô: “Desculpe-me! 
Estava secando o cabelo...”. Aliviei, dizendo que tudo bem, crente de 
que compensaríamos sua interrupção. Pura ilusão, nada feito! Mas tudo 
bem, a entrevista desenrolou-se como eu gostaria e dentro do que me 
faltava de tempo. Meu flerte com um Chris Squire despreocupado e de 
cabelos secos e penteados funcionou. 
Henrique Inglez de Souza
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