Jornalismo musical: o tempo importa tanto assim?
De nada adianta preparar as melhores perguntas de sua vida se não
levar em conta o tempo que terá de conversa. Essa informação influencia
diretamente a dinâmica que imprimirá na abordagem a ser usada. Uma
entrevista de 15 minutos, afinal, demanda uma postura diferente da de
uma de 40 minutos.
Simplesmente listar um número de questões que agrade a seu olhômetro e
sair de casa, ou da redação, é um risco e tanto. Ainda que o dom do
improviso seja um trunfo do bom jornalista, a falta de preparo costuma
dar problema. Nem sempre conseguimos encontrar uma saída exemplar quando
uma surpresa abala o compromisso.
Por exemplo, se te passarem 20 minutos, será uma quantidade tal de
perguntas (algo em torno de 15, 20), mas se tiver somente 5 minutos, a
história é outra (umas 5 ou 10 perguntas garantem). Se tiver liberdade,
sem um tempo determinado, norteie-se por uns 40 minutos ou, no máximo, 1
hora de papo – vai da disposição do entrevistado.
Eu diria que a partir de 30 minutos tem-se um período satisfatório
para realizar uma boa e completa entrevista. Menos que isso é prudente
prevenir-se: priorize os principais assuntos, mas guarde alguns bons
temas na manga.
O fator surpresa ao qual me referi assume inúmeras maneiras. Já tive
de encurtar meu questionário na hora, pelo fato de o entrevistado falar
bastante e eu não ter tanto tempo. Também já acabei numa embaraçosa
situação de braços cruzados por preparar poucas perguntas e sobrar tempo
(ou porque o sujeito falava pouco, ou por minha falta de experiência).
Talvez meu melhor exemplo do quão válido é considerar o tempo de
conversa seja a primeira vez que entrevistei o Slash. Em 2007, o
Aerosmith tocou em São Paulo, tendo como banda de abertura o Velvet
Revolver – projeto que reunia os então ex-Guns N’ Roses Slash, Duff
McKagan e Matt Sorum. Descolei uma entrevista com o guitarrista, a qual
viraria a matéria de capa da revista Guitar Player de maio do mesmo ano.
Naquela época, eu já estava calejado em alguns aspectos, portanto,
preparei uma pauta com 20 perguntas e mais duas alternativas a esta: uma
com dez e outra com cinco perguntas. Como meu inglês não fluía tão bem,
estudei sem descanso a missão, e foi a melhor coisa que fiz!
Depois de mais de 10 minutos de espera diante da sala reservada à
conversa, surge um sujeito todo tatuado, colete de couro, barba tipo
rebelde, cabelos longos presos e uns óculos escuros invocados. Era o
chefe da segurança do grupo. Havia outros jornalistas por lá, e todos
nós, da mídia impressa e on-line, recebemos o seguinte aviso dele:
“Vocês têm 5 minutos, e nada mais, para conversar com o Slash! Ele está
cansado da viagem”.
Naquele instante me senti orgulhoso por ter preparado versões
variadas de questionários. Teve gente do meu lado que quase surtou com a
bombástica notícia de última hora. Ainda que eu estivesse ali por uma
matéria de capa, evitei o chororô e agilizei de esquematizar os 5
minutos mais produtivos de minha vida.
Slash, Duff e Sorum apareceram instantes depois. Lembro de estar
encostado na parede e vê-los passar por mim, um por um, como uma das
cenas finais do clipe de You Could Be Mine (Guns N’ Roses)...
Bem, eis que chega minha vez. No início, aquele nervosismo me
corroendo, mas Slash estava tão tranquilo que me sossegou também.
Disposto, o guitarrista cumprimentou-me, deu um gole curto na garrafa de
água que trazia, e a entrevista começou. O papo desenrolou-se de forma
amistosa, apesar da aflição pelo curto prazo que eu tinha.
Sem atraso, logo que deram os 5 minutos, o mesmo cara esquisitão
(chefe da segurança) apareceu na porta da sala em que estávamos para
encerrar o encontro. Já ia me preparando para agradecer ao Slash, quando
este mirou sério o sujeito e fez um sinal com as mãos, do tipo “cai
fora!”.
Ao contrário de todo o estrelismo que o mainstream sugere, esse ícone
norte-americano mostrou-se alguém simples e bastante atencioso. Mesmo
que visivelmente cansado da viagem, teve interesse em conversar. Diante
de sua gentileza em permanecer ali, puxei a versão principal da
entrevista, com todas as perguntas, e seguimos até o fim - por mais uns
20 minutos (e ali valeu ter me aplicado, estudando a missão).
Considere imprevistos de todos os gêneros. Não existe nada mais
embaraçoso do que pisar na bola diante de seu entrevistado. É claro que
você não precisa sair preparando trezentas versões para uma mesma
entrevista a cada pauta que surgir. Tudo vai das circunstâncias e de seu
estilo de abordar. O essencial aqui é entender que o tempo disponível
deve nortear o esquema que usará para elaborar o questionário (e
preparar boas perguntas é outro ponto relevante). O resto é com o improviso.
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