Fábio Zanon: "O forte do Brasil, hoje, são os duos e conjuntos"
A Orquestra Sinfônica de Piracicaba
(OSP) faz um concerto especial neste sábado (29) para celebrar os 250 anos da
cidade paulista. Dois convidados estão confirmados, o maestro Thiago Tavares e
o violonista Fábio Zanon, um dos expoentes do Brasil no mundo em seu ofício.
Serão duas sessões, às 16h30 e às 20h30,
no Teatro do Engenho, com entrada gratuita (A OSP incentiva a doação de fraldas
geriátricas, em prol das entidades atendidas pelo Fundo Social de Solidariedade).
O programa terá duas peças, Concierto del
Sur, do mexicano Manuel Ponce, e Sinfonia
nº 2, op. 9 (Antar), do russo Rimsky-Korsakov.
Além do exímio instrumentista que é –
nome respeitado dentro e fora do Brasil –, Zanon é maestro, escritor,
comunicador, professor e produtor cultural. Já se apresentou em mais de 40
países da Europa, América do Norte, América do Sul, Austrália e Oriente Médio.
Venceu o 30° Concurso Francisco Tarrega (Espanha) e o 14° Concurso da Fundação
Americana de Violão (EUA). Do Festival Internacional de Inverno de Campos do
Jordão, é o homem por trás da coordenação. Enfim, é um cara experiente e gabaritado.
Por
que, exatamente, foram escolhidas essas obras de Ponce e de Rimsky-Korsakov
para celebrar os 250 anos de Piracicaba?
Concierto
del Sur
é uma das obras mais importantes para violão e orquestra. Como a vasta maioria
do repertório clássico é centro-europeia (Alemanha, Itália, França, Áustria), acho
muito legal diversificar e apresentar um estilo fora do caminho mais pisado –
ainda mais por ser um compositor latino-americano. No Brasil, não se executa essa
peça com tanta frequência.
Bom, tocar uma obra por ser "importante"
é uma roubada. A verdadeira questão está no fato de se tratar de um concerto
maravilhoso, bem construído, com um argumento sério, temas lindos e memoráveis,
que tem um sabor folclórico leve, mas que dá encanto à composição.
Da sinfonia Antar, não tenho como dizer. Foi escolha do maestro. São, ambas,
nacionalistas que aproveitam traços do folclore de seus respectivos países. Isso
cria contraste musical, ao mesmo tempo que há uma unidade de intenção estética.
Os
arranjos ganharam algo de especial para a ocasião?
Não são arranjos. São obras originais,
compostas integralmente por seus autores. Essa é a norma no repertório
sinfônico, com relativamente poucas exceções. A fidelidade ao texto original é uma
parte importante de nosso trabalho.
No
universo do erudito, a improvisação tem que tipo de papel nas abordagens? O
quanto de seu, por exemplo, dá para imprimir em uma peça clássica?
Quando falamos de música clássica (ou
erudita), na verdade, estamos falando de uma gama infinita de estilos e
abordagens e de um repertório que começa no século 13 e perdura até hoje. Em
alguns momentos, a improvisação teve um papel preponderante. Em todas as eras,
muito vinha improvisado. Até recentemente, coisa de 100 anos atrás, grandes
pianistas clássicos improvisavam introduções para músicas de outros
compositores. Na vertente barroca, improvisa-se tanto quanto no jazz.
O problema é que com música sinfônica
não há espaço para improvisar. O grande barato é a integração, a simbiose, a
catarse de se ver 50, 80 ou 120 pessoas tocando com a mesma intenção, a mesma
expressão. A personalidade do intérprete está justamente na maneira como lê a
partitura.
Cabe a quem toca pesquisar a intenção do
compositor e decidir que tipo de reação quer provocar em quem ouve. Isso se
mistura à personalidade da pessoa. Muitos olham para a partitura como um objeto
artístico que tem de ter equilíbrio, estabilidade, conteúdo intelectual. Outros,
como quem procura uma autobiografia, um pretexto para expor seus sentimentos com
ideias de um compositor. Há os que buscam uma média entre ambas as coisas. E o
incrível é que os dois estão com a mesma partitura, com as mesmas notas, as
mesmas instruções de expressão.
Diga
uma de suas influências que mais poderia surpreender.
Quando toco música clássica brasileira –
Villa-Lobos, Gnattali, Mignone etc. –, sempre penso na maneira da Elis Regina
frasear e lidar com o ritmo. Ela foi o gênio da raça! Fraseado infalível e
muito original.
Como
diversifica seu vocabulário musical?
Toco música do século 16 até os dias de
hoje, centenas de compositores diferentes, cada um com sua personalidade e seu
estilo – inclusive música popular. Já toquei com Ney Matogrosso, Ana Luiza,
Renato Braz, Yamandú. Toquei os afro-sambas de Baden Powell com uma maravilhosa
cantora colombiana, Maria Mulata. Tudo com partitura e uma abordagem artesanal,
que é a marca da música clássica.
O Ney e a Maria Mulata imploravam para
eu ensaiá-los, para ajudá-los a dar um tom mais erudito à maneira de
trabalharem. Cantores inteligentes aprendem o tempo todo, e aprendi MUITO
tocando com eles. Mas isso é, sei lá, 5% do meu trabalho – no máximo. Você
gostaria de ver a Ivete Sangalo cantando Bach? Então, talvez não tenha tanta qualidade
se eu me meter a tocar samba, né? Adoro todo tipo de música, mas cada estilo
tem sua vivência, e a vida é uma só.
O
Brasil ainda é um produtor competente em qualidade e quantidade de violonistas
clássicos, como em outras épocas?
Sim. Poderia ser muito melhor, mas
continua, sim! Acho que o forte do Brasil, hoje, são os duos e conjuntos. O Duo
Siqueira Lima, o Brasil Guitar Duo e o Quaternaglia são grupos de nível
internacional indiscutível.
Qual
é o perfil do violonista clássico brasileiro, atualmente?
Tem de tudo. Continua sendo a pessoa que
começa a estudar para tocar rock, passa para a MPB, aprende teoria musical e
muda para o violão clássico mais tarde. Isso, obviamente, cria certa
desvantagem em relação à formação precoce de conservatório de um estudante
europeu ou oriental. Porém, há uma vantagem perceptível numa flexibilidade e
versatilidade maiores.
Muitas vezes, esse trajeto é feito
dentro de um projeto social. A pessoa normalmente vem de um ambiente bastante humilde.
No violão, ao menos, sempre foi assim, mas agora isso acontece dentro de um
ensino mais estruturado. Algo que mudou consideravelmente é que hoje diversos
instrumentistas talentosos vão para a carreira acadêmica. Não é bom nem ruim, é
outra via profissional.
O cenário mais comum, atualmente, é o
violonista que dá aulas particulares ou em conservatório na segunda, trabalha
num projeto social na terça, toca num grupo de música antiga na quarta, mantém
um grupo de choro ou MPB na quinta, faz um concerto clássico mais convencional de
vez em quando, e assim a vida profissional fica mais interessante.
:::: Serviço
Concerto
da Orquestra Sinfônica de Piracicaba
Convidados: o maestro Thiago Tavares e o
violonista Fábio Zanon
Local: Teatro Municipal Erotídes de
Campos
Endereço: av. Maurice Allain, 454 – Parque
do Engenho Central
Quando: sábado (29)
Horário: 16h30 (palestra ‘O Meu Concerto
de Hoje’, seguida do ensaio geral aberto) e 20h30 (concerto)
Grátis
Informações: www.sinfonicadepiracicaba.org.br
e (19) 3413-5212
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